Uma evolução na regulamentação de Cannabis Medicinal está a caminho: viva o PL 399/15

Em mais uma coluna inédita ao Sechat, Fabrício Pamplona comemora a aprovação do projeto de lei e analisa os próximos passos que o país deve tomar

Publicada em 09/06/2021

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Coluna de Fabrício Pamplona*

Eu juro que ia falar sobre outro assunto na minha coluna deste mês, mas não dá. O assunto mais importante da semana, do mês e, provavelmente, do ano para a Cannabis medicinal no Brasil é a votação do PL 399/15 realizada ontem, dia 8 de junho.

Estou envolvido na regulamentação do setor de Cannabis Medicinal em nosso país desde o princípio, como parte do "setor regulado", no jargão regulatório. Foi em 2015 que participei juntamente com alguns técnicos da Anvisa escolhidos a dedo da missão de "reconhecimento de campo", no Canadá. 

Uma responsabilidade e tanto apresentar à nossa agência todos os meandros de uma fabricação de produtos derivados de cannabis, incluindo plantação, extração, análise, controle de qualidade, estoque, fabricação, rotulagem, prescrição e dispensação. Ou seja, mostrar como funciona todo o setor em um ambiente regulatório confiável. 

Aprendi muito antes, durante e depois desse processo. 

Ao mesmo tempo, estava sendo gerido um projeto de lei que pretendia implementar aquele mesmo cenário, ou algo parecido, no Brasil. O PL 399/15 nasceu nesse "caldo" e foi recebendo inúmeras contribuições ao longo do tempo. 

É fato que a regulamentação brasileira se inspirou bastante na canadense, provavelmente bebeu na fonte também da portuguesa e israelense. E certamente não se assemelha aos Estados Unidos ou Holanda. 

Considero que o cenário que vivemos atualmente, com o mercado todo dependendo exclusivamente de resoluções colegiadas da Anvisa - que não tem força de lei - é passageiro. Nós temos uma jaboticaba.

O PL 399/15 traz uma evolução notável em relação ao cenário atual, que foi sim uma evolução a seu tempo, mas que tem imperfeições a serem corrigidas.

O PL 399/15 traz uma evolução notável em relação ao cenário atual, que foi sim uma evolução a seu tempo, mas que tem imperfeições a serem corrigidas. A evolução vem com o tempo, e o Brasil é, por natureza, um país conservador para mudanças desse tipo. Não só porque se trata de canabinoides, substâncias que acostumamos a considerar proibidas; em tudo que é relacionado à saúde, o Brasil demora. 

O faz pisando em ovos, porque o cenário é delicado e complexo, tem muitas implicações.

Pois bem, creio que agora temos experiência acumulada no Brasil para afirmar com segurança que as diversas contradições apresentadas pelos opositores à uma ampla regulamentação de Cannabis medicinal não passam de falácias. 

Para dar logo um chute na canela, as crianças com autismo não ficaram "esquizofrênicas" porque foram tratadas com doses baixas de THC, pelo contrário, obtiveram melhoras comportamentais incríveis, documentadas pelos médicos brasileiros em artigo científico internacional.

E se até esse, que o estandarte da oposição psiquiátrica é equivocado, como já ouvi dizer, "que a regulamentação da Cannabis medicinal criaria uma fábrica de esquizofrênicos no Brasil", quem dirá das outras menores, as picuinhas, as inverdades, e todas as fofocas criadas para tentar enfraquecer este pleito e deslegitimar a luta dos pacientes.

Pois esse tempo passou, e em uma votação apertada, o relatório do trabalho extremamente cuidado e empático dos deputados à frente do PL 399/15 foi aprovado. Longe de uma unanimidade, na verdade, aprovado quase "no palitinho" pelo voto de Minerva do relator, mas enfim, aprovado.

Existem alguns ritos de passagem para que ele seja de fato constituído como lei, e provavelmente passará pelo plenário da Câmara dos Deputados, do Senado e sanção do Presidente da República.

Todas estas pessoas que participam desse processo inevitavelmente estão entrando para a história. O nome de todos os votos está explícito nesta foto publicada. Parabéns aos que compreenderam a importância deste momento e apoiaram o processo. Aos que votaram contra, ainda dá tempo de voltar atrás em seus conceitos, ou melhor, ir à frente, porque quem está com a cabeça no passado recente da história humana ainda se encontra mergulhado num mar de conceitos que já foram superados.

Ainda dá tempo de se informar, de entender, de conversar e de rever os seus conceitos.

Ainda dá tempo de se informar, de entender, de conversar e de rever os seus conceitos, afinal creio que temos muito mais história à frente, no cenário de Cannabis medicinal, do que anos deixados para trás. Se não quiserem acreditar em mim, olhem para os outros países mais avançados e confirmem: estamos apenas no começo. 

E muita gente já está se beneficiando. Pela conta informal que se tem, a Cannabis medicinal já impacta positivamente mais de 50 mil pacientes. Sem contar toda a cadeia produtiva que se formou no Brasil gerando emprego, lucro e impostos. É bonito de se ver, e ainda vamos muito mais longe pelas transformações que estão propostas neste projeto de lei. 

Ainda deixaremos de tratar os canabinoides como última alternativa terapêutica e o consideraremos primeira escolha em algumas patologias.

Ainda ostentamos com orgulho nossos campos verdejantes de cânhamo, como hoje fazemos com a soja. Ainda aproveitaremos toda a potencialidade dos canabinoides agindo em sinergia como fitoterápico. Ainda daremos dignidade aos pacientes de doenças crônicas que merecem acesso ao bem-estar que a Cannabis proporciona. Ainda teremos ciência de ponta feita no Brasil confirmando o potencial terapêutico da Cannabis em aliviar sintomas, prevenir, ou até curar muitas e muitas doenças que hoje parecem intratáveis e refratárias aos tratamentos convencionais. Ainda deixaremos de tratar os canabinoides como última alternativa terapêutica e o consideraremos primeira escolha em algumas patologias. 

Eu sei que isso tudo toma tempo, mas quando comecei a estudar o potencial terapêutico dos canabinoides em 2003 na Universidade Federal de Santa Catarina, ou quando conheci a dor dos primeiros pacientes importando produtos obscuros ou fazendo seu próprio óleo caseiro em 2013 no Rio de Janeiro, tudo isso também parecia muito mais distante.

Um passo à frente e já não estamos no mesmo lugar. Viva o PL399/15.

*Fabrício Pamplona é doutor em Psicofarmacologia, cofundador da Proprium Health, Technology and Science e do Instituto Phaneros e colunista do Sechat

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

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