O cânhamo industrial, as barreiras comerciais e o substitutivo do PL 399/2015

Em mais um artigo para o Sechat, o professor Paulo Jordão apresenta para o debate o tema da regulação, fundamental para a ampliação do acesso aos produtos medicinais à base de Cannabis no Brasil e para o desenvolvimento de negócios nacionais

Publicada em 04/05/2021

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Coluna de Paulo Jordão*

A legislação de Cannabis do Brasil impõe barreiras comerciais para indústrias que produzem localmente medicamentos à base de Cannabis. Uma das barreiras comerciais é o preço do insumo farmacêutico importado pelas indústrias brasileiras para produzir seus medicamentos. 

As indústrias brasileiras importam os canabinoides, os principais insumo para a produção de medicamentos. Estas empresas cumprem as normas vigentes para a produção de medicamentos conduzindo todos os testes necessários.

As indústrias brasileiras importam os canabinoides, os principais insumo para a produção de medicamentos. Estas empresas cumprem as normas vigentes para a produção de medicamentos conduzindo todos os testes necessários. Estes medicamentos como o Mevatyl ou o Canabidiol da Prati-Donaduzzi serão vendidos exclusivamente em farmácias mediante apresentação de receita.

Já as empresas estrangeiras não podem vender em farmácias, pois estas possuem produtos que não são registrados como medicamentos nos seus países de origem. Estas podem fazer vendas diretas para os pacientes desde que autorizado pela Anvisa.

Por um lado o preço da grama do CBD vendido o Brasil é quase o mesmo para o consumidor, seja este CBD importado ou de medicamentos nacionais. Por outro, o custo de produção de medicamentos das indústrias brasileiras é maior que o custo de produção das indústrias estrangeiras.

O que vou argumentar neste artigo é que por um lado o preço da grama do CBD vendido o Brasil é quase o mesmo para o consumidor, seja este CBD importado ou de medicamentos nacionais. Por outro lado, o custo de produção de medicamentos das indústrias brasileiras é maior que o custo de produção das indústrias estrangeiras.

Por exemplo, um frasco de 30 ml do produto Canabidiol Prati-Donaduzzi com 20mg/ml custa R$ 276,24 (Drogaria São Paulo). Estamos falando de 0,6 gramas de CBD purificado por frasco. Nesse medicamento o preço de 1 grama de CBD é vendido por R$ 460,4 (R$ 276,24/0,6).

Um produto similar importado é o Purodiol 200 de 30 ml (200 mg/ml) que pode custar próximo de U$ 400,00. Existe ainda o custo de importação, ou que pode adicionar outros U$ 100,00. No cambio de hoje o produto custaria R$ 2.715,00. Neste produto temos 6000 mg total de CBD, ou 6 gramas de CBD. O preço da grama de CBD neste medicamento é vendido por R$ 452,5.

Entretanto, a empresa brasileira pagou toda a conhecida carga de impostos do Brasil e não pode produzir seu insumo farmacêutico no Brasil, sendo onerada mais uma vez por custos de importação.

Neste cenário, mesmo os produtos custando preços diferentes, o preço pela grama de CBD é muito próximo para o consumidor, sendo R$ 460,4 no medicamento nacional e R$ 452,5 no medicamento importado. Entretanto, a empresa brasileira pagou toda a conhecida carga de impostos do Brasil e não pode produzir seu insumo farmacêutico no Brasil, sendo onerada mais uma vez por custos de importação.

A legislação atual favorece as empresas internacionais propiciando a estas uma vantagem competitiva, pois seus produtos pagam 2% de imposto de importação e 11,75% de PIS e Cofins.

A legislação atual favorece as empresas internacionais propiciando a estas uma vantagem competitiva, pois seus produtos pagam 2% de imposto de importação e 11,75% de PIS e Cofins.

O substitutivo do projeto de lei 399 ainda possui alguns obstáculos que podem desfavorecer a produção de medicamentos pela indústria brasileira. Um dos entraves presentes no projeto de lei está na exclusão de uso medicinal para produtos derivados do Cânhamo.

O artigo 23 do PL 399 informa:

Art. 23. E autorizada a produção e comercialização de produtos fabricados a partir do cânhamo industrial, tais como cosméticos, produtos de higiene pessoal, celulose, fibras, produtos de uso veterinário sem fins medicinais, dentre outros, fabricados a partir do cânhamo industrial, desde que as suas formulações contenham apenas níveis residuais de Δ9 –THC iguais ou inferiores a 0,3% (três decimo por cento). 

Não fica claro neste PL o porquê da exclusão dos produtos medicinais feitos de Cânhamo Industrial. Se produtos a base de Cannabis podem ser formulados a partir do Cânhamo poque não permitir que esta seja fonte de insumos farmaceuticos?

Não fica claro neste PL o porquê da exclusão dos produtos medicinais feitos de Cânhamo Industrial. Se produtos a base de Cannabis podem ser formulados a partir do Cânhamo poque não permitir que esta seja fonte de insumos farmaceuticos? O Cânhamo Industrial é uma planta que possui baixíssimo teor de THC, mas esta possui CBD. 

 O Cânhamo Industrial, de acordo com art. 7 do PL 399, será registrado no órgão agrícola federal e este será insumo apenas para medicamentos veterinários. O art. 5 do PL 399 limita ainda que as plantas de cannabis medicinal sejam cultivadas exclusivamente em casas de vegetação e não em ambiente aberto como permitido para o Cânhamo Industrial.

Não existe diferença do CBD contido na planta de Cânhamo Industrial para o CBD contido na Cannabis não psicoativa, ambas possuem o mesmo canabinóide. O que existirá é uma grande diferença entre custos de produção. O custo de se produzir insumos para cannabis medicinal será maior do que para produzir produtos veterinários, mas por quê? Animais merecem ter preços mais baixos nos seus medicamentos? Não na minha perspectiva. 

Na minha perspectiva, hoje pode se comprar nos Estados Unidos 1 grama de CBD isolado por até U$ 1,00, ou R$ 5,43, a grama como na Mile High Labs. Na minha perspectiva, temos que criar formas para que os insumos farmacêuticos produzidos no Brasil possam ter preço competitivo frente aos produtores internacionais.

Na minha perspectiva, hoje pode se comprar nos Estados Unidos 1 grama de CBD isolado por até U$ 1,00, ou R$ 5,43, a grama como na Mile High Labs. Na minha perspectiva, temos que criar formas para que os insumos farmacêuticos produzidos no Brasil possam ter preço competitivo frente aos produtores internacionais.

No substitutivo do PL 399 o Cânhamo Industrial será fonte dos insumos para as indústrias veterinárias, de alimentos, de cosméticos, de higiene pessoal e de fibras.  Esta saída cria dois tipos de insumos com preços diferentes no Brasil: 1) o CBD para uso e produtos a base de Cannabis extraído do cânhamo industrial e 2) o CBD de grau farmacêutico extraído tanto da Cannabis para fins médicos.

A sugestão aqui oferecida é a de permitir o uso do CBD extraído do Cânhamo industrial para a produção de medicamentos e produtos a base de cannabis, permitindo às empresas brasileiras a criação de uma vantagem competitiva frente as importações de produtos à base de Cannabis.

Hoje a indústria brasileira paga uma conta muito alta para importar os insumos de seus medicamentos enquanto as empresas estrangeiras competem no mesmo segmento de mercado com produtos à base de cannabis. 

A inclusão do Cânhamo como fonte de insumos para medicamentos pode tanto auxiliar a reduzir os custos de produção local quanto alavancar uma oportunidade de se tornar um país exportador de matéria prima e de produtos acabados para outros mercados como previsto no art. 25 do PL 399. 

*Paulo Jordão é doutor em Administração, professor da Universidade Federal do Piauí, sócio da Cannapi e colunista do Sechat.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

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