InCor inicia estudo pioneiro com cannabis medicinal para cuidados paliativos em insuficiência cardíaca
Pesquisa inédita no mundo testará a associação de THC e CBD no alívio de sintomas de pacientes graves; projeto recebeu aporte de emenda parlamentar
Publicada em 12/12/2025

O projeto foi um dos destaques do 3º Edital de Emendas da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Imagem: InCor
O Instituto do Coração (InCor/HCFMUSP) iniciará um estudo pioneiro para avaliar o uso de cannabis medicinal em cuidados paliativos. A pesquisa foca em pacientes diagnosticados com insuficiência cardíaca grave.
O projeto foi um dos destaques do 3º Edital de Emendas da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Anunciada nesta semana, a iniciativa recebeu R$ 330 mil para sua operacionalização inicial.
Conduzida pela Unidade de Ciências Cardíacas do InCor, a pesquisa pretende testar a eficácia da associação de Tetrahidrocanabinol (THC) e Canabidiol (CBD). O objetivo principal é o alívio de sintomas em pacientes no estágio terminal da doença.
Segundo Edimar Alcides Bocchi, diretor da unidade e professor associado da FMUSP, a iniciativa não tem precedentes na literatura médica. "Esse é um projeto original, único, não tem em nenhum lugar do mundo, nunca foi testado", afirmou Bocchi.
O especialista reforça a importância da substância no tratamento. "A proposta do nosso projeto é testar a eficácia de cannabis medicinal em pacientes com insuficiência cardíaca para cuidado paliativo. Nós achamos que a associação de cannabis com as outras medicações para o coração poderá reduzir o sofrimento de maneira importante nessa população", completa.
Impacto da doença e novas terapias com cannabis medicinal
A escolha do público-alvo para o tratamento com cannabis medicinal reflete um gargalo crítico na saúde pública. A insuficiência cardíaca é uma síndrome complexa na qual o coração perde a capacidade de bombear sangue eficientemente.
Essa condição é a via final comum da maioria das doenças cardiovasculares. Além disso, representa a principal causa de internação hospitalar em pessoas acima de 65 anos no mundo, superando o infarto agudo do miocárdio.
"É a doença terminal das cardiopatias e está associada a alta mortalidade e, com grande frequência, a sofrimento importante", explica o professor. Para muitos, as alternativas convencionais se esgotam e o transplante cardíaco é viável apenas para uma minoria.
Nesse contexto, entram os cuidados paliativos, focados na prevenção e alívio do sofrimento, e não apenas na cura. O novo estudo do InCor busca verificar se os canabinoides podem oferecer esse conforto adicional e melhorar a qualidade de vida.
Histórico de pesquisas sobre cannabis medicinal no InCor
O InCor já consolidou uma linha de pesquisa robusta sobre o sistema endocanabinoide e a cannabis medicinal. Entre os destaques está um estudo publicado em 2024 no ESC Heart Failure, que detalha o desenho do ensaio clínico ARCHER.
Trata-se de uma pesquisa de fase II, internacional, multicêntrica, randomizada, duplo-cega e controlada por placebo, que avaliou a segurança e a eficácia do CBD em 100 pacientes com miocardite aguda leve a moderada. Os participantes foram tratados por 12 semanas com doses tituladas de 2,5 mg/kg a 10 mg/kg duas vezes ao dia, acompanhados por ressonância magnética cardíaca.
Inicialmente, os resultados não foram divulgados. No entanto, em dezembro de 2025, um comunicado de imprensa revelou uma melhoria estrutural significativa no coração dos pacientes, incluindo redução da massa ventricular esquerda — achado que sugere recuperação do edema intracelular.
“Nós determinamos esse estudo e o achado foi que a cannabis pode reduzir um dos aspectos da miocardite”, afirmou Bocchi. Ele destaca ainda que a terapia se mostrou segura e bem tolerada, com eventos adversos semelhantes aos do placebo. O estudo também confirmou um perfil de segurança cardíaca e hepática comparable ao do placebo, sem os riscos de eventos adversos graves frequentemente associados a outros imunossupressores.
Além disso, o InCor está concluindo uma tese de doutorado que investiga a segurança do CBD isolado em pacientes com insuficiência cardíaca, analisando potenciais arritmias e os efeitos da substância na capacidade de exercício.
Próximos passos do projeto com cannabis medicinal
O novo projeto de cuidados paliativos com cannabis medicinal prevê o uso combinado de THC e CBD. A duração estimada é de até dois anos, englobando a inclusão de pacientes e o acompanhamento (follow-up).
A verba de R$ 330 mil, proveniente das emendas parlamentares, será destinada à estrutura básica da pesquisa. Contudo, o médico ressalta que ainda existem desafios financeiros para a plena execução do estudo.
"Nós estamos dependendo dessa emenda parlamentar para dar continuidade a esse estudo, mas precisamos de suporte financeiro também para a medicação", explicou Bocchi.
Os pacientes elegíveis serão selecionados a partir do banco de dados do InCor, seguindo rigorosos critérios éticos. "É o papel da universidade: resolver as questões científicas para realmente dar um suporte científico à utilização de medicações para beneficiar pacientes", conclui o diretor.


