Estudo brasileiro investiga a segurança e o uso de canabidiol em crianças com autismo

Pesquisa publicada em revista internacional aponta redução de medicamentos controlados e melhorias comportamentais durante o tratamento supervisionado

Publicada em 16/12/2025

Estudo brasileiro investiga a segurança e o uso de canabidiol em crianças com autismo

No grupo que utilizava antipsicóticos, 12 dos 18 indivíduos conseguiram reduzir a dosagem desses fármacos em 70% ou mais. Imagem: Canva Pro

Um grupo de pesquisadores brasileiros publicou um estudo pioneiro sobre o uso de canabidiol (CBD) em crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O artigo ganhou destaque na revista científica internacional Clinical Neuropsychopharmacology and Addiction, trazendo novos dados para a comunidade médica.

Os dados obtidos foram encorajadores, registrando uma taxa de conclusão de 90% entre os participantes. No grupo que utilizava antipsicóticos, 12 dos 18 indivíduos conseguiram reduzir a dosagem desses fármacos em 70% ou mais.

Os efeitos adversos relatados foram majoritariamente leves e transitórios, incluindo aumento de apetite e leve agitação. Contudo, os pesquisadores alertam para a necessidade de monitoramento, visto que dois participantes com epilepsia tiveram recorrência de convulsões durante a retirada dos alopáticos.

A pesquisa analisou a viabilidade e a segurança de um óleo rico em CBD, com proporção de 14,5:1 em relação ao tetrahidrocanabinol (THC). O estudo acompanhou 30 crianças e adolescentes, com idades entre 2 e 15 anos, ao longo de 24 semanas.

Durante o acompanhamento, parte dos participantes realizou a redução ou retirada de medicamentos psicotrópicos, como antipsicóticos e anticonvulsivantes. Esse processo de substituição pelo uso de canabidiol ocorreu sob rigorosa supervisão médica.

 

Impacto do canabidiol no comportamento e na família

 

Além dos dados de segurança, a maioria das famílias relatou melhora significativa na comunicação, na sociabilidade e nos comportamentos repetitivos das crianças. Houve também observações positivas na redução do estresse parental e na melhora de comorbidades, como TDAH e distúrbios do sono.

A iniciativa foi liderada pelo Laboratório de Neurociência Comportamental (LabNeC) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). O projeto contou com a parceria de cientistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e de instituições da Itália e do Canadá.

Segundo o coautor e coordenador do LabNeC/UNISUL, Prof. Dr. Rafael Mariano de Bitencourt, a pesquisa é fundamental para a área. “Este trabalho representa um passo importante na construção de evidências sobre o potencial terapêutico do canabidiol em crianças com autismo”, afirma.

Bitencourt ressalta que, embora os resultados sejam preliminares, eles reforçam a importância de investigações supervisionadas. O foco central deve permanecer na segurança clínica e na qualidade de vida das famílias envolvidas no tratamento.

O estudo teve como primeiro autor o médico Alysson Madruga de Liz e utilizou óleo fornecido pela Associação Brasileira para Acesso à Cannabis Terapêutica (ABRAFLOR). Essa escolha refletiu as práticas reais de acesso à Cannabis medicinal atualmente vigentes no país.

 

Limitações e futuro das pesquisas com canabidiol

 

Como todo estudo piloto e retrospectivo, os resultados devem ser interpretados com cautela devido ao desenho aberto e à ausência de grupo controle. O número reduzido de participantes limita a generalização dos achados e impede conclusões causais definitivas neste momento.

Ainda assim, os dados oferecem sinais relevantes que justificam a realização de ensaios clínicos mais robustos e controlados no futuro. Para Bitencourt, o trabalho evidencia o papel das associações civis no avanço da ciência e no acesso ao uso de canabidiol no Brasil.

“A ciência precisa olhar para o que já acontece na vida real. Muitas famílias vêm utilizando produtos à base de canabidiol de forma empírica, e cabe à pesquisa investigar, de maneira ética e responsável, os potenciais benefícios e riscos dessas práticas”, conclui o pesquisador.