Uso medicinal da cannabis pode ir do médico, ao odontológico e veterinário

Diversidade no uso medicinal da cannabis é apresentada no Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, e exemplos vão do uso na saúde da mulher, na medicina esportiva, até o odontológico e veterinário.

Publicada em 05/05/2022

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Por Ana Carolina Andrade

A discussão do uso dos canabinoides em diferentes campos, indo além do uso médico e em humanos, marcou o período da tarde do segundo dia do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal.

Para abrir as palestras, Dra. Thania Rossi, neurocirurgiã funcional, que atua como coordenadora do serviço de dor crônica da Amil de São Paulo e dor aguda no Hospital da Luz, e é especialista em Medicina Integrativa e Canábica, trouxe o tema de como os canabinoides podem ajudar na saúde da mulher.

Rossi apresentou a vasta literatura existente sobre a utilização da cannabis para saúde da mulher em diversos períodos da história, como no alívio de cólicas menstruais. A médica trouxe ainda dados importantes de doenças que prevalecem nas mulheres e cujos tratamentos com cannabis já são muito conhecidos, como para ansiedade, e doenças autoimunes. Entre as contraindicações de uso ela destaca a do THC para gestantes e lactantes

Entre as principais possibilidades estão o tratamento dos sintomas da menopausa, cujos estudos mostraram efetividade na redução de vários sintomas, como os fogachos, despertares e a secura vaginal. “A utilização aumenta o nível de desejo, excitação, lubrificação, e quanto mais tempo ela utilizar se diminui o risco dessas mulheres evoluírem para o desenvolvimento de alguma disfunção sexual”, afirmou. Ela destaca, ainda, que no que se refere ao tratamento da endometriose, da dismenorreia (cólicas menstruais), e para as náuseas e vômitos na gravidez o tratamento medicinal com cannabis tem se mostrado muito efetivo.

Dra. Thania Rossi, neurocirurgiã funcional, que atua como coordenadora do serviço de dor crônica da Amil de São Paulo e dor aguda no Hospital da Luz, e é especialista em Medicina Integrativa e Canábica

Outros tratamentos possíveis são para doenças que muitas vezes as pacientes encontram muita dificuldade nos tratamentos convencionais, como no caso da candidíase de repetição, pelo poder antifúngico, e a da síndrome do intestino irritado.

As possibilidades são muito amplas, podendo funcionar inclusive como regulador de apetite, com o THCV, um fitocanabinoide, e com cremes e óleos vaginais, para auxílio da lubrificação e uso recreativo.

Utilização da cannabis medicinal no esporte se amplia

Com a recente liberação do uso do CBD pelas agências antidoping, a busca por orientação e pelo uso de CBD por atletas explodiram. O médico ortopedista, especializado no tratamento de doenças da coluna e manejo da dor, Dr. Ricardo Ferreira, fez uma palestra sobre o manejo dos canabinoides na medicina esportiva.

De acordo com Ferreira, que é pioneiro na utilização medicinal da cannabis no Brasil, há muitos benefícios na sua utilização para atletas, como a diminuição do número de lesões musculares, aceleração no processo de recuperação, controle da ansiedade e melhora da qualidade de vida. Além disso, o uso do CDB permite o tratamento de condições que podem ser desenvolvidas no futuro pelos atletas, como doenças metabólicas e o risco de câncer. Ele explica que a busca pela cannabis medicinal é não feita apenas por atletas de alto rendimento, mas por aqueles que se dedicam a um maior bem-estar físico, e pelos atletas do universo gamer.

Importantes atletas que são ativistas ou apoiadores do uso de cannabis, como Conor McGregor, do UFC, e do skatista brasileiro Bob Burnquist, dão visibilidade ao tema, e recentes anúncios de ligas esportivas que decidiram pela não punição pelo uso da maconha ou da cannabis, como o UFC ou a NBA, em que cerca de 50 a 85% dos atletas utilizam algum tipo de cannabis, tem contribuído para ampliar sua utilização.

Dr. Ricardo Ferreira, médico ortopedista, especializado no tratamento de doenças da coluna e manejo da dor.

Ainda que existam muitos benefícios, há problemas e riscos. O THC, por exemplo, ainda é substância proscrita, e com a sua utilização, muitos atletas correm risco de ser punidos por doping. Além disso em alguns indivíduos há efeitos como o risco do ganho de peso e perda de motivação.

Um conselho dado por Ferreira, vale tanto para os médicos como para os atletas, que é diferenciar no tratamento os que são os atletas que farão testes de doping e os que não, já que como o THC é proibido pela Agência Antidoping, o tratamento precisa ser adequado também a esta situação. “Existem evidências científicas e grande número de relatos pessoais, de comissões, dos benefícios dos usos de canabinoides em atletas para prevenção de lesões, doenças, controle da ansiedade e recuperação. É preciso ainda utilizar o CDB isolado e certificado”, afirmou.

Na odontologia, há recomendações para tratamentos com cannabis medicinal

A utilização da cannabis medicinal tem ido muito além do uso por médicos, que é o que mostra a Dra. Cynthia De Carlo, cirurgiã dentista, integrante do corpo clínico do CECMEDIC (Centro de Excelência Canabinoide) e membro da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis).

As aplicações dos canabinoides na odontologia foram abordadas por De Carlo, parte dos menos de 1,5% dos cirurgiões dentistas do país que prescrevem cannabis medicinal. Ela ainda relata o tempo que o Conselho Federal de Odontologia (CFO) tem levado para se atualizar na área, apenas um mês atrás reconheceu o potencial do uso dos canabinoides em patologias odontológicas e incluiu a odontologia no cadastro de importação da Anvisa.

“A prática com o tratamento da cannabis medicinal é uma prática diferente da que o cirurgião dentista está acostumado, ele passar a ter um relacionamento maior com o paciente. O principal fator de trabalharmos com a cannabis é trazer a qualidade de vida perdida pelo paciente”, afirma.

Dra. Cynthia De Carlo, cirurgiã dentista, integrante do corpo clínico do CECMEDIC (Centro de Excelência Canabinoide) e membro da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis).

Segundo De Carlo, o uso medicinal da cannabis para tratamento de patologias odontológicas é possível especialmente para DRM, bruxismo, Síndrome da Ardência Bucal, Neuralgia do Trigêmeo, pacientes fóbicos e com dores crônicas, além de pacientes refratários a outros tratamentos.

As indicações que ela apresenta são as mais comumente utilizadas pelos dentistas, do tratamento pelo óleo sublingual, com as alternativas dos isolados (CBD), broad spectrum (fitocanabinoides, terpenos, geralmente sem THC), full spectrum (CBD, THC, fitocanabinoides, terpenos). Para a maioria das patologias é utilizado o full spectrum, com a exceção da

Neuralgia do Trigêmeo, onde é necessário um elevado teor de CBD. Ela reforça que os tratamentos são individualizados, mas recomenda que sejam administradas doses diárias iniciais baixas e modulando semanalmente ou a cada 10 dias.

Uso veterinário da cannabis medicinal ainda conta com poucos parâmetros do CFMV

O uso medicinal da cannabis não se restringe aos animais humanos, como abordou Erik Amazonas, médico veterinário, pesquisador e professor de endocanabinologia. De acordo com Amazonas, no que tange a medicina veterinária não há a mesma robustez de evidências científicas para o uso da cannabis como já se há, hoje, na medicina humana, por isso ao nomear seu painel incluiu aspas na palavra "indicações".

Erik Amazonas, médico veterinário, pesquisador e professor de endocanabinologia.

 Amazonas trouxe uma crítica ao Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) sobre a falta de diálogo com os estudiosos do tema. “O CFMV lançou uma orientação sobre o uso veterinário de produtos de cannabis, e nela orienta que levemos ao judiciário o caso dos nossos pacientes para termos respaldo. Isto é jogar para o vento, como será possível cobrar dos pacientes, se (for) incluir o preço da judicialização dos processos?”, questiona.

As referências a utilização medicinal da cannabis são muito semelhantes aos humanos, pois como Amazonas relembra, todos os vertebrados têm um sistema endocanabinoide, e há utilizações como na imunologia, para dor, no uso oncológico (as evidências em animais já tão boa margem de casos de cura) e na neurologia.