Santini, o deputado que deseja que o governo Bolsonaro plante Cannabis medicinal

Alheio à tramitação do PL 399/2015, que pretende regulamentar a produção e a pesquisa da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial no Brasil, deputado do PTB sugeriu ao governo federal que a produção de maconha para fins medicinais seja estatal

Publicada em 16/12/2020

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Charles Vilela

No final de novembro, o deputado federal Ronaldo Santini (PTB-RS) enviou um documento ao governo Federal sugerindo que a produção de maconha para fins medicinais seja estatal. “Se é tão importante assim que façamos a produção da maconha para extrairmos o canabidiol e minimizar a dor daqueles que precisam desta medicação, barateando seu custo e tornando-a mais acessível; se temos medo que o país perca o controle (em relação ao) uso recreativo, a que nós combatemos com veemência, (este seria um modo de atender os) anseios dos que esperam o medicamento e aqueles que temem que a produção da maconha se torne um problema para o nosso país”, disse o parlamentar na ocasião.

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Em ofício ao presidente Jair Bolsonaro, ele sugere que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) fique responsável pela produção de cannabis para fins medicinais, de modo que o produto passe a ser “elaborado, produzido e pesquisado pelo órgão do governo federal que tem a melhor excelência no assunto.” 

Independentemente da viabilidade da proposta do parlamentar se tornar realidade, a iniciativa não deixa de ser uma batata quente na mão do governo Bolsonaro. Primeiro porque reconhece os atributos medicinais da maconha, algo que o governo insiste em ir na direção oposta. Em segundo lugar, bate de frente com a contrariedade do governo em autorizar o plantio da maconha no Brasil para fins medicinais, tirando essa responsabilidade da iniciativa privada e associações e transferindo-a para o próprio Executivo. Seja qual for o desfecho dessa proposta, ela já tem um mérito: trouxe a discussão da importância da Cannabis medicinal para dentro de um partido conservador - e um dos mais fortemente alinhados ao governo federal, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) - e colocou o tema na mesa do presidente da República. 

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Nessa entrevista ao Sechat, Santini diz não estar acompanhando a discussão do PL 399/2015 - que irá regulamentar o cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de Cannabis para fins medicinais e industriais - mas reconhece os méritos da proposta. "Quando o governo tomar ciência de todo o fato (de sua proposta para que a Embrapa gerencie o plantio da maconha medicinal), espero que a gente possa fazer essa discussão e, quem sabe,  até trabalhar em cima do PL (399/2015), mudar, fazer os ajustes. Quem sabe o governo não  toma  iniciativa e puxe (a responsabilidade) para si. É isso que a gente espera, que o assunto seja tratado com a seriedade que requer o tema", afirma o parlamentar.  

Sechat - O que motivou o senhor a fazer essa proposta para o Governo Federal?

Ronaldo Santini - Primeiro, o motivo que acendeu a luz para isso foi uma discussão em âmbito partidário, na reunião da executiva partidária (realizada em 18/11/20), onde fizemos uma reformulação de diversos temas, de assuntos do partidos e comissões provisórias, e o tema (da Cannabis medicinal) acabou vindo por conta de uma vontade do presidente (do PTB) Roberto Jefferson de colocar no estatuto partidário a contrariedade a qualquer tipo de manifestação no sentido de liberação da maconha. Aí veio a discussão e começou-se a ouvir os demais membros da executiva. O que pude perceber durante a discussão é que havia muito desconhecimento e preconceito acerca do tema, porque estamos falando de uma situação que envolve a produção de um medicamento, e a maioria das pessoas entende como um assunto voltado à liberação da maconha para uso recreativo, da qual sou contrário a liberação por conta da linha que tem a atuação na segurança pública.

O que pude perceber durante a discussão é que havia muito desconhecimento e preconceito acerca do tema, porque estamos falando de uma situação que envolve a produção de um medicamento, e a maioria das pessoas entende como um assunto voltado à liberação da maconha para uso recreativo, da qual sou contrário a liberação por conta da linha que tem a atuação na segurança pública

Mas não pude deixar de observar nos depoimentos de familiares dos usuários da medicação, a angústia, o sofrimento, a dor e a necessidade dessa facilitação de acesso. Aí aquele assunto ficou, não tem como não se emocionar vendo um depoimento de um filho que cai aos prantos contando o sofrimento do pai. Então, comecei a pensar em levar esse debate a uma discussão mais técnica e menos ideológica. Ocorreu-me é que se a insegurança e a incerteza que tomam conta de todos nós é em relação ao desvio de conduta de quem vai praticar o plantio ou o desvio de finalidade, melhor dizendo, da produção, que seria medicamentosa para consumo de uso recreativo, por que não fazer o Estado cuidar disso? Se você vai querer que o Estado tutele e fiscalize a produção privada, é melhor então que ele o faça, porque nós sabemos que ele não tem controle sobre isso. Foi aí que ocorreu a ideia da Embrapa, por terem uma excelência em pesquisa, plantas, e tudo isso que a Embrapa significa. 

(Foto: Divulgação/PTB)

Ocorreu-me é que se a insegurança e a incerteza que tomam conta de todos nós é em relação ao desvio de conduta de quem vai praticar o plantio ou o desvio de finalidade, melhor dizendo, da produção, que seria medicamentosa para consumo de uso recreativo, por que não fazer o Estado cuidar disso? Se você vai querer que o Estado tutele e fiscalize a produção privada, é melhor então que ele o faça, porque nós sabemos que ele não tem controle sobre isso. Foi aí que ocorreu a ideia da Embrapa, por terem uma excelência em pesquisa, plantas, e tudo isso que a Embrapa significa

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Sechat - O senhor fez alguma sondagem antes de apresentar essa sugestão ao governo federal, ou seja, o senhor sentiu, de algum modo, que haveria abertura do presidente Jair Bolsonaro para esse tipo de iniciativa?

Santini - Eu não conversei com nenhum órgão do governo oficialmente sobre o tema. Eu consultei diversas pessoas, que têm ligação com áreas do governo, com grupos de futebol, turma de formação universitária, e todos acharam a ideia muito positiva. Por isso não fiz como projeto de lei, fiz como sugestão ao Executivo, para que levasse a discussão ao âmbito do executivo. Eu acho que esse meio é menos demagógico, e deixa de ser um factoide e passa a ser uma proposta concreta, porque não é um projeto de lei que fica lá dentro da câmara, com uns contra e outros a favor. (Essa) é uma situação que envolve diretamente o âmbito do Executivo, que precisa estar envolvido nisso. Quero construir uma discussão técnica, científica. Não uma discussão baseada na liberação do consumo, ou contrária ao consumo da maconha.

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Sechat - O senhor tem acompanhado o andamento do PL 399/2015 na Câmara e o que acha do projeto?

Santini - A discussão que eu sempre vejo em torno dessa matéria é aquela discussão que sempre acaba descambando para o uso recreativo da maconha. Bem mal comparando, mas usando como exemplo, a questão do porte de arma: quando se discute porte de arma e se quer ampliar para todo mundo, quer liberar geral. Vivemos numa cultura em que não é aceito, pela maioria da sociedade, a maconha para o uso recreativo. Eu, inclusive, sou contrário. Mas toda vez que se discute a produção da maconha como extrato para uso em medicamento, você tem, invariavelmente, as pessoas entrando para discussão do plantio. Então é isso que tem que descarregar: é essa tentativa de aproveitar o momento para fazer a liberação. Aí vem a marcha, vêm os deputados ligados à bancada mais liberal, e acabam estragando um processo que é tão importante.

Bem mal comparando, mas usando como exemplo, a questão do porte de arma: quando se discute porte de arma e se quer ampliar para todo mundo, quer liberar geral. Vivemos numa cultura em que não é aceito, pela maioria da sociedade, a maconha para o uso recreativo. Eu, inclusive, sou contrário. Mas toda vez que se discute a produção da maconha como extrato para uso em medicamento, você tem, invariavelmente, as pessoas entrando para discussão do plantio

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Sechat - Essas observações que o senhor faz ao uso adulto seriam situações externas ao projeto? Porque o PL 399/2015 não trata de uso adulto, nem de cultivo individual.

Santini - Exatamente. Toda a discussão que se faz de forma técnica tenta demonstrar que uma coisa não tem ligação com a outra, mas acaba sendo vencida pelo debate carregado de desconhecimento. Quando você puxa essa discussão para dentro de um órgão como a Embrapa, por exemplo, nós pensamos “vamos fazer isso de forma responsável, vamos buscar a produção dentro de uma área do governo e vamos mandar direto para o laboratório, que vai fazer a medicação e entregar para o SUS”, e isso acaba com a desconfiança. Mas se você libera para o Santini plantar mil hectares de maconha para uso medicamentoso, quem assegura que eu vou plantar só mil? Quem assegura que vou destinar os mil (hectares) para uso específico (medicinal)? Falam que é regulamentado, que a semente é catalogada. Isso é lindo, mas lá fora, na Europa, talvez. O Brasil não tem condição de fiscalizar.

Mas se você libera para o Santini plantar mil hectares de maconha para uso medicamentoso, quem assegura que eu vou plantar só mil? Quem assegura que vou destinar os mil (hectares) para uso específico (medicinal)? Falam que é regulamentado, que a semente é catalogada. Isso é lindo, mas lá fora, na Europa, talvez. O Brasil não tem condição de fiscalizar

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Sechat - O senhor não acha que, ao colocar toda essa responsabilidade para a Embrapa, embora seja uma instituição de pesquisa de excelência, iria se burocratizar o processo, considerando que essa questão da Cannabis medicinal é muito tocada pela sociedade civil?

Santini - Acho que as duas situações são relativas. As regras de segurança (do PL 399/2015) são perfeitas. O problema é a fiscalização: como se fiscaliza o fim do processo? Qual a certeza e a segurança que se tem? A questão da burocratização passa muito sobre a premissa anterior, de você demonstrar a eficiência, a eficácia e aí sim, se for do entendimento que gradativamente pode ir ampliando isso para a iniciativa privada. Aí você pode fazer a liberação, mas antes precisa primeiro quebrar o tabu, tirar o preconceito. A gente sabe que existem os sintéticos, que tem empresas produzindo, mas porque isso não está acessível até hoje? Por que isso não está ainda de forma completa e barata na sociedade? Então você precisa quebrar isso e para quebrar isso, inicialmente nesse processo que estamos vivendo, é com a mão do governo. Proponho, no início, a exclusividade na mão do estado, porque acredito que estando na mão do estado fica mais difícil para sair do uso medicinal e ir para o uso recreativo e, logicamente, se lá na frente a sociedade, o governo e o Congresso entenderem que, de fato, pode ser feita a liberação para plantio medicinal, que seja. Acho que essa discussão precisa ser amadurecida e feita com seriedade porque o tema é muito sério, não pode ser carregado desse preconceito sem a discussão científica.

As regras de segurança (do PL 399/2015) são perfeitas. O problema é a fiscalização: como se fiscaliza o fim do processo? Qual a certeza e a segurança que se tem? A questão da burocratização passa muito sobre a premissa anterior, de você demonstrar a eficiência, a eficácia e aí sim, se for do entendimento que gradativamente pode ir ampliando isso para a iniciativa privada. Aí você pode fazer a liberação, mas antes precisa primeiro quebrar o tabu, tirar o preconceito

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Sechat - Então sua proposta retiraria do PL 399 a parte industrial do cânhamo e manteria apenas a parte medicinal, com esse viés do controle estatal sobre o processo?

Santini - A parte industrial só depende para o que se dá. Se for para produção do medicamento ela pode estar associada, não tem problema. Porque não a Embrapa produz e manda para o laboratório fazer? Ela desconecta do uso recreativo, da droga. Chegaram algumas sugestões dela ser uma cultura alternativa para o agronegócio, que foi rechaçada pela bancada do agro, que entendeu que não há o menor espaço pra isso no momento. Então ela precisa ser desconectada desse processo e ser conectada ao processo científico-medicinal.

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Sechat - Como seu partido, o PTB, se posiciona a respeito da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial?

Santini - Não tem como ter uma posição uníssona sobre o tema quando se tem desconhecimento da matéria, e desconhecimento que eu digo não é sobre o processo, mas o preconceito, o medo e a incerteza que se tem do desvio. Quando você ouve o ambiente partidário, no que diz respeito ao uso recreativo, quase 100% dos nossos integrantes são contra, apenas uma pequena parcela acha que não teria problema. Quando você vai para o uso científico, quando você apresenta, demonstra e coloca os argumentos, você divide quase meio a meio, talvez um pouco mais favorável à liberação e produção do medicamento.

Quando você ouve o ambiente partidário, no que diz respeito ao uso recreativo, quase 100% dos nossos integrantes são contra, apenas uma pequena parcela acha que não teria problema. Quando você vai para o uso científico, quando você apresenta, demonstra e coloca os argumentos, você divide quase meio a meio, talvez um pouco mais favorável à liberação e produção do medicamento

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Sechat - A gente sabe que esse tema traz consigo muito preconceito, dúvida e debate. O senhor acha que o elemento principal para se ter uma discussão mais equilibrada sobre o tema está no conhecimento técnico do assunto?

Santini - Sem dúvida nenhuma. O conhecimento técnico é o pilar de sustentação da discussão. Demonstrar, primeiro, cientificamente o que é o canabidiol, os benefícios que ele traz para as famílias, e desconectar completamente da maconha para uso recreativo, como droga, como produto de exportação para consumo que não seja o medicinal. Fazer essa discussão é pilar de sustentação do projeto. Enquanto não tiver isso nós vamos ter os grupos favoráveis ou contrários tentando aproveitar a carona para fazer com que se desconstitua ou se fortaleça o projeto.

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Sechat - Como o senhor teve o primeiro contato com o tema? 

Santini - Até o momento daquela reunião com a executiva (do PTB), tudo o que eu ouvia falar com relação ao tema, lincava a questão da cannabis à droga, todas as discussões que eu entrei vinham conectadas a isso, por conta do trabalho que fazemos na segurança pública. Então sempre vêm os números, argumentos, que mostram que, quando se libera (o consumo adulto da maconha), aumenta o índice de violência, de doenças, que é a porta de entrada para outras drogas. O que me sensibilizou mesmo foi o depoimento dos familiares de quem utiliza, me fez parar e pensar: “sou um homem de parlamento, tenho que dialogar, não posso fechar os olhos para essa discussão, preciso entender melhor esse processo". Eu mesmo me senti desconhecedor do tema para levar um projeto de lei dessa importância ao plenário.

O que me sensibilizou mesmo foi o depoimento dos familiares de quem utiliza, me fez parar e pensar: “sou um homem de parlamento, tenho que dialogar, não posso fechar os olhos para essa discussão, preciso entender melhor esse processo". Eu mesmo me senti desconhecedor do tema para levar um projeto de lei dessa importância ao plenário

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Sechat - A partir de agora, quais os próximos passos?

Santini - Eu pretendo agora conversar com a Embrapa sobre essa possibilidade. Sei o trabalho de excelência deles, e espero também poder conversar sobre isso com o núcleo do governo, com o chefe da Casa Civil ou com o ministro da Saúde. Não precisa ser necessariamente com o presidente (da República). Porque agora vai vim o trabalho dos laboratórios que têm o produto sintético, que vendem a ideia de que não precisa (o plantio). Virá a discussão da segurança pública, logicamente, que é onde a gente pretende desconectar (do tema do uso medicinal), e virá a questão das famílias. Quando o governo tomar ciência de todo o fato, espero que a gente possa fazer essa discussão e, quem sabe,  até trabalhar em cima do PL (399/2015), mudar, fazer os ajustes. Quem sabe o governo não  toma  iniciativa e puxe para si. É isso que a gente espera, que o assunto seja tratado com a seriedade que requer o tema.