Estudo associa cannabis medicinal a maior sobrevida em pacientes com câncer biliar avançado na Tailândia
Pesquisa retrospectiva com 491 pacientes mostra diferença significativa na sobrevida mediana, mas limitações metodológicas impedem estabelecer relação causal
Publicada em 13/11/2025

Pesquisa sugere que cannabis terapêutica pode trazer mais tempo e qualidade de vida a pacientes com câncer biliar | CanvaPro
Um estudo retrospectivo conduzido em seis hospitais do nordeste da Tailândia encontrou uma associação entre o uso de cannabis medicinal e maior tempo de sobrevida em pacientes com colangiocarcinoma (CCA) e carcinoma hepatocelular (HCC), tipos de câncer que afetam o fígado e vias biliares. O colangiocarcinoma é um câncer biliar agressivo, enquanto o HCC se origina nas células hepáticas; alguns pacientes apresentam tumores combinados (cHCC-CCA). A pesquisa, publicada na revista F1000Research, acompanhou 491 pacientes diagnosticados com essas doenças em estágio avançado entre setembro de 2019 e dezembro de 2020.
Diferenças na sobrevida observada
Os resultados mostraram que pacientes que receberam tratamento com cannabis medicinal (87 participantes) apresentaram sobrevida mediana de 5,66 meses após o registro em clínicas de cuidados paliativos ou cannabis, comparado a 0,83 meses para aqueles que receberam apenas tratamento paliativo padrão (404 participantes). A taxa de mortalidade foi de 10,9 por 100 pessoas-mês no grupo com cannabis, contra 48,35 por 100 pessoas-mês no grupo controle.
É importante notar que o tempo de sobrevida foi contado a partir da data de registro nas clínicas, não a partir do diagnóstico inicial. O tempo médio entre diagnóstico e registro foi de 8,65 meses para o grupo padrão e 5,32 meses para o grupo cannabis — uma diferença que pode indicar que pacientes do grupo padrão já estavam em estágios mais avançados da doença no momento do registro.
Na análise multivariada ajustada para idade, sexo e tempo entre diagnóstico e registro, o tratamento com cannabis medicinal foi associado a uma redução de 72% no risco de morte (HR ajustado = 0,28; IC 95%: 0,20–0,37; p < 0,001).
Contexto regional e epidemiológico
O nordeste da Tailândia, particularmente a província de Khon Kaen, apresenta a maior incidência mundial de colangiocarcinoma, com 118,5 casos por 100.000 habitantes — mais de 100 vezes a taxa global. A região tem altos índices da doença relacionados a fatores de risco locais, incluindo infecção por parasitas hepáticos.
A Tailândia se tornou o primeiro país do Sudeste Asiático a legalizar a cannabis medicinal em fevereiro de 2019, incorporando-a aos serviços de cuidados paliativos como opção adjuvante ou alternativa ao tratamento padrão.
Limitações importantes do estudo
Os próprios autores destacam limitações significativas que impedem conclusões definitivas sobre causalidade:
Desenho retrospectivo: O estudo analisou dados de prontuários médicos, sem randomização ou controle prospectivo de variáveis confundidoras.
Vieses de seleção: Pacientes do grupo cannabis frequentemente eram diagnosticados em hospitais comunitários e registrados diretamente em clínicas de cannabis após confirmação de metástases avançadas, muitas vezes sem tratamento prévio. Em contraste, muitos pacientes do grupo padrão foram encaminhados tardiamente para cuidados paliativos, frequentemente após esgotarem cirurgia, quimioterapia ou outras opções terapêuticas. Mais de 71% do grupo padrão havia recebido quimioterapia, enquanto apenas 49% do grupo cannabis havia recebido cuidados paliativos convencionais. A diferença no tempo entre diagnóstico e registro (8,65 meses vs 5,32 meses) sugere trajetórias de doença distintas entre os grupos.
Dados clínicos incompletos: Informações cruciais como estágio do câncer, estado funcional (performance status), carga tumoral, comorbidades e histórico detalhado de tratamentos não estavam consistentemente disponíveis nos registros médicos e não puderam ser incluídas nas análises.
Confundimento residual: A falta de ajuste para variáveis prognósticas importantes significa que fatores não medidos podem explicar parte ou toda a diferença observada na sobrevida.
Informações sobre cannabis: O estudo não fornece detalhes sobre dosagem, formulação específica, composição de canabinoides ou adesão ao tratamento.
Possíveis mecanismos e estudos prévios
Pesquisas pré-clínicas sugerem que canabinoides como CBD e THC podem ter efeitos antitumorais através da indução de apoptose, inibição de angiogênese e supressão da proliferação celular. Estudos observacionais indicam que a cannabis medicinal pode melhorar sintomas como dor, náusea e perda de apetite, potencialmente permitindo maior tolerância a terapias sistêmicas.
Um estudo americano anterior com pacientes internados encontrou menor mortalidade hospitalar em usuários de cannabis com colangiocarcinoma (OR = 0,40), enquanto uma coorte prospectiva tailandesa relatou melhora no estado funcional e qualidade de vida em pacientes com CCA tratados com cannabis.
No entanto, outra pesquisa mostrou sobrevida mais curta em pacientes oncológicos avançados usando cannabis, ilustrando a inconsistência dos dados disponíveis.
Perspectivas e necessidade de mais pesquisas
Os autores enfatizam que, embora a associação observada seja estatisticamente significativa mesmo após ajustes, não é possível estabelecer causalidade sem estudos prospectivos randomizados e controlados. As diferenças nas trajetórias de cuidado entre os grupos podem explicar parcial ou totalmente os resultados.
O estudo oferece dados preliminares que podem informar discussões sobre políticas públicas e desenvolvimento de estratégias de cuidados paliativos baseadas em evidências no contexto do programa nacional tailandês de cannabis medicinal, mas seus autores reconhecem que estudos adicionais bem desenhados são necessários para confirmar os achados e explorar mecanismos potenciais.
É relevante notar que o artigo recebeu revisão mista por pares: 1 aprovação, 2 aprovações com ressalvas e 2 não aprovações, o que reflete controvérsias metodológicas e de interpretação na comunidade científica.
A pesquisa foi financiada pela Faculdade de Medicina da Universidade Mahasarakham e aprovada por três comitês de ética independentes.
Referência: Phansila N, Pansila P, Wongkongdech A, et al. Survival rate of patients with combined hepatocellular cholangiocarcinoma receiving medical cannabis treatment: A retrospective, cohort comparative study [version 3]. F1000Research 2025, 11:1212


