UnB lança Observatório de Cannabis para legitimar produção nacional e mapear uso terapêutico

Iniciativa cria banco de dados inédito para analisar a qualidade de óleos de associações de pacientes e impulsionar ensaios clínicos no Brasil

Publicada em 03/12/2025

UnB lança Observatório de Cannabis para legitimar produção nacional e mapear uso terapêutico

Pesquisadores da UNB e da Associação Abrapango durante pesquisa com cannabis. Imagem: Fernanda Vasconcelos de Almeida

A Universidade de Brasília (UnB) está prestes a oficializar uma iniciativa pioneira no cenário científico e de saúde pública brasileiro: a criação do Observatório de Cannabis (OBCann). O projeto já conta com a aprovação dos colegiados dos Institutos de Biologia, Química e da Faculdade de Ceilândia.

A iniciativa nasce com a ambição de preencher uma lacuna histórica na padronização dos produtos. O objetivo central é o controle de qualidade e a legitimação científica dos derivados utilizados por milhares de pacientes no país.

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Maquinário de alta precisão usado em outra pesquisa, parceria da UNB e da Associação Abrapango. Imagem: Fernanda Vasconcelos

Atualmente, o Observatório de Cannabis encontra-se em fase final de trâmites burocráticos para a aprovação de seu regimento interno. O registro está sendo realizado junto ao Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI) da universidade.

O projeto projeta o início efetivo da coleta de dados e análises laboratoriais para o próximo ano. A espera se deve a um fator técnico crucial, que é a chegada de equipamentos de alta precisão.

Fernanda Vasconcelos de Almeida, Professora Associada do Instituto de Química da UnB, explica que o laboratório aguarda a entrega de um Cromatógrafo Líquido de Alta Eficiência (HPLC). O aparelho será dedicado exclusivamente ao projeto.

"A coleta vai acontecer no próximo ano. O equipamento já foi adquirido e estamos aguardando sua chegada", afirma a professora.

 

Controle de qualidade e o papel do Observatório

 

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Fernanda Vasconcelos de Almeida junto a equipe de pesquisadores da UNB durante apresentação de TCC. Imagem: Fernanda Vasconcelos de Almeida

 

Um dos pilares centrais do Observatório de Cannabis é o projeto CIPCAM, focado na análise química dos óleos produzidos pelas associações de pacientes. O objetivo vai muito além de simplesmente atestar se o produto contém canabidiol (CBD), tetrahidrocanabinol (THC) e outros canabinoides. A busca é pela criação de um mapa da produção nacional.

As associações que enviarem seus óleos para análise deverão preencher formulários detalhados. Serão solicitados dados sobre métodos de cultivo, secagem, extração e diluição utilizados no processo produtivo.

Em contrapartida, essas entidades receberão laudos completos sobre a presença de canabinoides e terpenos. Essa troca de informações alimentará um banco de dados robusto para a pesquisa.

"O objetivo é construir um banco de dados e entender que tipo de semente está sendo plantada no DF, em Pernambuco, no Pará... Como essas sementes se expressam em diferentes regiões, em diferentes solos e outros aspectos", detalha Fernanda.

A pesquisadora destaca também a importância da pesquisa para as associações. "Uma vez que a associação está em colaboração com universidades e tentando entender melhor a qualidade de seus óleos, naturalmente ela já é uma indicação de que está preocupada em melhorar seus processos produtivos", completa.

A falta de padronização nos laboratórios privados atuais é uma preocupação que o Observatório de Cannabis pretende mitigar. A equipe planeja utilizar amostras certificadas internacionalmente para validar seus métodos e realizar validações cruzadas com outros laboratórios.

 

Pilares de atuação


Para consolidar a legitimidade médica e jurídica necessária, o Observatório de Cannabis estruturou sua atuação em três frentes principais. A coordenação descreve essa estratégia como o fechamento do "circuito da cannabis no país".

- Repositório Científico: Criação de uma ampla biblioteca organizada por temáticas e problemas de saúde, reunindo estudos globais sobre a planta.

- Pesquisa Clínica: Captação de recursos para liderar ensaios clínicos robustos e metodologicamente controlados, testando a eficácia dos produtos nacionais.

- Análise Laboratorial: Certificação da composição dos extratos e óleos, garantindo a rastreabilidade e a segurança do paciente.

 

Busca legitimidade médica e jurídica

 

Se do lado químico a busca é por precisão, do lado clínico a urgência é por segurança e ampliação do acesso. Andrea Donatti Gallassi, Professora Associada da Faculdade de Ciências e Tecnologias em Saúde da UnB e coordenadora do projeto, destaca a existência de uma demanda reprimida.

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Extrato de cannabis passnado por analise. Imagem: Fernanda Vasconcelos de Almeida

Segundo Gallassi, o mercado e os pacientes clamam por certificações que garantam a composição do que está sendo consumido. "O caminho é apresentar boas práticas de fabricação e as análises adequadas dos canabinoides", explica.

"As entidades precisam de um rótulo que corresponde exatamente com o que se encontra no produto, ou seja, quanto de canabinoide tem por gota", complementa a coordenadora.

A visão é ambiciosa. Elevar o padrão das associações brasileiras. O intuito é que elas possam dialogar de igual para igual com a indústria farmacêutica e com os órgãos reguladores.

"Nossa expectativa é auxiliar para que essas associações possam cada vez mais se solidificar enquanto instituições legítimas para fornecer esses medicamentos para as pessoas e também, quem sabe, para o SUS no futuro próximo", projeta Andrea.

"Tudo isso vai ao encontro do objetivo de as pessoas terem um controle de qualidade dos seus produtos cada vez mais equiparado ao que as grandes farmacêuticas têm", conclui.

 

Mapeamento de condições de saúde


Outro ponto focal do Observatório de Cannabis será o mapeamento das condições de saúde que levam os brasileiros a buscar o tratamento. Andrea Gallassi observa que a ciência já superou a fase em que a discussão se restringia à epilepsia refratária.

Hoje, as evidências e a prática clínica apontam para um espectro muito mais amplo. Isso inclui saúde mental, doenças neurodegenerativas e dor crônica. O Observatório pretende utilizar os dados coletados junto às associações para demonstrar empiricamente a eficácia desses usos. A ideia é provocar a realização de novos estudos controlados.

"Se você observa que tem pacientes com muitas indicações de uso para depressão, ansiedade, insônia, fibromialgia, todas as vezes você vai pensar 'Uau, a gente tem esses dados das associações brasileiras que demonstram que a maioria das pessoas está usando a cannabis para a ansiedade'", finaliza Gallassi.