Decisões judiciais sustentam a manutenção do cultivo associativo de cannabis no Brasil
O advogado Max Warner explica como a Associação Cannabis do Bem garantiu na Justiça o salvo-conduto para cultivar mais de 900 plantas de cannabis em Florianópolis, após anos de insegurança jurídica e uma operação policial decisiva
Publicada em 11/12/2025

Os bastidores da decisão que protege o cultivo da Cannabis do Bem em SC | Foto: Divulgação/ICDB
O caminho trilhado pelas ações judiciais envolvendo o cultivo associativo de cannabis no Brasil tem levado tribunais a conceder salvo-condutos para garantir a continuidade de tratamentos, em um cenário marcado pela falta de regulamentação federal e pela intensificação de operações policiais. Um dos casos mais recentes, em Santa Catarina, evidencia como decisões judiciais têm se tornado o principal mecanismo de proteção a pacientes e associações.
Em relatos que atravessam quase três anos de espera, uma operação policial inesperada e a urgência de proteger pacientes, o advogado Max Warner explicou, como a Associação Cannabis do Bem garantiu na Justiça o direito de cultivar organicamente mais de 900 plantas de cannabis.
A autorização que agora assegura o cultivo de cannabis pela associação é resultado de uma longa batalha jurídica que começou em 2022, e que precisou ser redirecionada diante do risco real de interrupção de tratamentos. O advogado especializado em direito relacionado à cannabis detalha as estratégias, as dificuldades e o impacto social da decisão.
Da ação cível ao habeas corpus coletivo: o caminho até a autorização
Warner explica que o processo começou em outubro de 2022, quando ele e os advogados Matteus Jacarandá e Jamil Issy ajuizaram uma ação cível contra a União e a ANVISA. O objetivo era garantir autorização judicial para produzir e fornecer produtos medicinais exclusivamente aos associados da Associação Cannabis do Bem.

A tramitação, porém, avançava lentamente: após quase três anos, o processo não havia sido julgado e a liminar seguia negada. Ainda em 2025, associações de pacientes de várias regiões do país enfrentavam operações policiais, o que acendeu um alerta dentro da associação.
“Era um cenário de absoluta insegurança jurídica”, lembra Warner. Diante disso, a equipe optou por um novo caminho: a impetração de um habeas corpus coletivo para afastar possíveis ações policiais e assegurar a continuidade dos tratamentos. O pedido foi protocolado em 10 de setembro de 2025.
A virada no caso, porém, viria de um episódio inesperado.
Operação do BOPE e risco real de constrangimento ilegal
Antes mesmo da análise da liminar no habeas corpus, a sede da Associação Cannabis do Bem foi alvo de uma operação do BOPE de Santa Catarina, em 20 de setembro de 2025. Todas as plantas, extratos, óleos e pomadas foram apreendidos, e o presidente da associação foi conduzido à delegacia.
Segundo Warner, o relatório da própria Delegada responsável reconheceu que não havia “qualquer indício de tráfico”. A autoridade policial apontou que se tratava de cultivo e manipulação voltados exclusivamente ao uso medicinal associativo — o que impediu a prisão em flagrante.
Para o advogado, a operação foi decisiva para sensibilizar a Justiça. O boletim de ocorrência e os vídeos da ação foram anexados ao habeas corpus, evidenciando o risco concreto de constrangimento ilegal contra os dirigentes. Com isso, o salvo-conduto foi concedido, garantindo a proteção jurídica necessária ao cultivo.
Apesar da vitória, os efeitos da operação ainda persistem: até hoje, segundo Warner, os materiais apreendidos não foram devolvidos, afetando diretamente o tratamento de dezenas de pacientes.
Limbo jurídico e expectativa por regulamentação federal
Para o especialista, o problema enfrentado pelas associações não decorre de lacunas pontuais da lei, mas da completa ausência de uma regulamentação federal clara e específica sobre o cultivo medicinal, especialmente no modelo associativo.
“Hoje, as associações vivem um verdadeiro limbo jurídico”, afirma. Em 2025, o país registrou um aumento de cerca de 230% nas operações policiais envolvendo associações de pacientes, um reflexo direto dessa falta de regras que delimitem atuação, fiscalização e segurança.
Há expectativa de que União e ANVISA cumpram até março de 2026 a determinação do Superior Tribunal de Justiça para regulamentar o cultivo medicinal. Ainda assim, Max ressalta: “ainda há grande insegurança quanto ao conteúdo dessa regulamentação, pois não se sabe se ela atenderá, de forma adequada, às necessidades médicas dos pacientes e, sobretudo, as especificidades do arranjo produtivo das associações, que são hoje a principal alternativa de acesso ao tratamento para milhares de pessoas”.
Impacto social: decisões judiciais como alternativa ao mercado ilegal
Warner destaca que autorizações judiciais como a concedida à Cannabis do Bem vão além da garantia de saúde: também reduzem a dependência de pacientes do mercado ilegal, enfraquecem o tráfico e diminuem riscos sanitários.
Ao citar a Lei Seca dos Estados Unidos, ele aponta que modelos proibicionistas historicamente fortalecem o crime organizado e colocam consumidores em ambientes sem controle. “Quando o Estado não regula, a clandestinidade regula”, observa.
Para ele, o cultivo associativo autorizado, nesse contexto, oferece um caminho oposto: tratamento seguro, prescrição médica, rastreabilidade e qualidade, com impactos positivos também na segurança pública e na redução de danos sociais. “Trata-se, portanto, de uma medida que, além de proteger o direito fundamental à saúde, produz efeitos concretos e positivos também na segurança pública e na redução dos danos sociais”, finaliza.


