Cannabis e neurônios: um debate científico em foco no Deusa Cast

Afinal, o uso de maconha mata ou não neurônios? Veja o que dizem os especialistas

Publicada em 19/02/2024

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Desde muito tempo, a cannabis tem sido objeto de fascínio e controvérsia. Entre os muitos mitos que cercam seu uso, a suposta capacidade de matar neurônios é um dos mais persistentes. No entanto, a ciência por trás dessa questão é complexa e está em constante evolução. 

Estudos científicos têm explorado extensivamente os efeitos da cannabis no cérebro humano. Contrariando crenças populares, evidências sugerem que o uso moderado da cannabis não está diretamente associado à morte de neurônios. Pesquisas indicam que os canabinoides encontrados na planta, como o THC e o CBD, interagem de maneiras complexas com o sistema endocanabinoide do cérebro, que está envolvido na regulação de várias funções, incluindo a neurogênese (produção de novos neurônios) e a neuroplasticidade (capacidade do cérebro de se adaptar e mudar ao longo do tempo). 

Um estudo publicado na plataforma de artigos científicos PubMed, denominado “Canabinoides e neurogênese: a solução prometida para a nerodegeneração?”, descobriu que, ao contrário do que se acreditava anteriormente, o uso crônico de cannabis não estava associado a uma diminuição na densidade de neurônios. Outra pesquisa, publicada na revista Nacional Library of Medicine (NIH), sugeriu que o THC pode até mesmo ter propriedades neuroprotetoras em certas circunstâncias, protegendo os neurônios contra danos oxidativos e inflamação. 

Confira um trecho do Deusa Cast com Lorenzo Rolim, engenheiro agrônomo e presidente da Associação Latinodo Cânhamo Industrial (LAIHA) e Pedro Simão, CEO da Milgrows e consultor em agronegócio, onde o assunto foi abordado: 

 

 

Em entrevista ao portal Sechat no passado, o pesquisador, cientista e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Steven Rehen, afirma que: 

"Embora existam controvérsias em torno dos efeitos da cannabis no cérebro, a pesquisa atual sugere que o uso moderado da planta não está associado à morte de neurônios, pelo contrário, ele colabora na neurogênese, protegendo as sinapses (ligações neurais)", explicou.  

No entanto, é importante notar que o uso excessivo e prolongado de cannabis pode ter efeitos negativos sobre a função cerebral, especialmente em desenvolvimento, e está associado a problemas de memória, atenção e controle cognitivo, sugerem os estudos. Além disso, há evidências de que o uso crônico de cannabis pode aumentar o risco de transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia, em pessoas geneticamente predispostas. 

 

A origem do mito 

O mito de que a cannabis mata neurônios teve sua origem em um contexto político conturbado nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970. Com a ascensão do presidente Richard Nixon e sua plataforma de "guerra contra as drogas", houve uma forte pressão política para demonizar a maconha, impulsionada pela mídia e pelos interesses políticos da época. Essa narrativa foi ampliada durante o governo de Ronald Reagan, que encomendou estudos para sustentar sua posição na guerra às drogas, mesmo diante de evidências contraditórias. 

Um desses estudos, conhecido como "Tulane Study", conduzido por Robert G. Heath em 1974, utilizou macacos como cobaias, expondo-os a quantidades massivas de fumaça de maconha em um período de tempo curto e pouco realista. Os resultados, que indicaram danos cerebrais significativos nos macacos expostos, foram amplamente divulgados e usados para reforçar a narrativa do perigo da maconha. No entanto, a metodologia questionável e os dados ocultados levantaram sérias dúvidas sobre a validade do estudo. 

Fabricio Pamplona, neurocientista e pesquisador, aponta que a ideia de que a cannabis mata neurônios é um mito perpetuado há décadas, distorcido por interesses políticos e econômicFabricio_Pamplona.pngos. Ele ressalta a falta de senso crítico na disseminação dessa narrativa e destaca a importância de analisar a história por trás desses mitos para compreender como a ciência pode ser manipulada em prol de determinados interesses.  

“Chega a ser constrangedor para os cientistas terem que argumentar sobre esse tema, considerando a maneira distorcida como tudo isso começou. Qualquer pessoa com senso crítico consegue perceber que tem algo errado em como essa história”, ressalta Pamplona. 

Em suma, a história do mito sobre a cannabis e seus efeitos no cérebro revela as complexidades e desafios enfrentados na busca pela verdade científica em meio a agendas políticas e interesses diversos. Contudo, é essencial abordar o tema com cautela e continuar pesquisando para entender melhor os efeitos da cannabis no cérebro e na saúde em geral.