Congresso debate benefícios terapêuticos e espirituais da Cannabis

O segundo dia de palestras no Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal abordou abstinência, uso de canabinoides na infância e psicodélicos.

Publicada em 04/05/2022

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Por Kim Belluco

O segundo dia do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal começou nesta quarta-feira (04) com a palestra de Wilson Lessa, professor do Curso de Medicina da Universidade Federal de Roraima, membro da International Cannabinoid Research Society (ICRS) e da Society of Cannabis Clinicians (SCC). A primeira rodada de debates contou ainda com a neuropediatra Dra. Daniela Bezerra e com a farmacêutica, especializada em Ciência Psicodélica, Renata Monteiro.

​Cannabis causa abstinência?

A palestra de Wilson Lessa teve como tema "A Cannabis e seus compostos causam dependência, tolerância e abstinência?”. O psiquiatra e professor usou o exemplo do café para explicar a possível abstinência causada pela Cannabis. "A abstinência da cafeína é muito semelhante à da Cannabis. Se eu ficar sem tomar um dia, vou ter dor de cabeça. Caso eu não beba café por um determinado período, terei um pouco de insônia e irritabilidade", explicou.

De acordo com o professor, os sintomas de abstinência de Cannabis tendem a ser leves, mas podem ser intensos se for dado um antagonista canabinoide. Outro ponto a ser destacado é que alguns dos sintomas interpretados como "abstinência" podem, na verdade, ser o motivo inicial do uso terapêutico e que, sem o tratamento, os sintomas ou problemas de saúde retornam (insônia, depressão, tremores, perda de peso, dentre outros).

"Entre as drogas mais consumidas, a Cannabis, mesmo em altas dosagens, representa menos risco para a saúde do indivíduo do que outras drogas, tanto legais, quanto ilegais", disse o professor, baseando-se no relatório de Bernard Roques e do australiano Wayne Hall.
No relatório de Hall, todas as drogas testadas poderiam, em certo nível, levar à adicção. No caso de pessoas que consumiam somente Cannabis, os riscos para saúde eram baixos, exceto para quem utilizava grandes quantidades diárias há um longo tempo.

Uso de canabinoides na infância

Na sequência, foi a vez da Dra. Daniela Bezerra falar sobre o uso dos canabinoides na infância e na adolescência. Em sua palestra, a neuropediatra apresentou casos clínicos que comprovam uma melhora no bem-estar das crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e/ou com quadro epiléptico.

"No meio da Academia de Medicina, temos que provar cada vez mais que a Cannabis é importante e é muito eficaz. Temos ainda uma longa jornada, pois o preconceito é muito grande. Temos que lembrar também dos cuidados com a criança, tudo precisa ser tratado em comum acordo com a família", explicou.

Em um dos casos apresentados por Bezerra, uma criança deu entrada na consulta com desnutrição, sinais e sintomas de Transtorno do Espectro Autista, não verbalizava, apresentava deficiência intelectual, distúrbio do sono, disfagia leve, infecções nas vias aéreas superiores e inferiores, além de crises epilépticas.

Diante disso, foi iniciado o tratamento com 2,5 mg de Canabidiol por quilo da criança por dia. Após um mês, a dose foi ajustada para 5 mg por quilo por dia, até ser estabilizada em 10 mg por quilo por dia. Com isso, a criança teve ganho de peso, apresentou diminuição das estereotipas e da frequência das infecções, teve melhora na atenção (responde pelo nome) e começou a ser participativa na escola. Ela também não precisou ser hospitalizada e não teve piora das crises epilépticas.

"Pode até parecer pouca coisa para alguns, mas para família, só o fato da criança começar a responder pelo nome, olhar, saber que está falando com ela, é muito bárbaro. Temos a possibilidade de gerar um impacto na qualidade de vida daquela família", completou.

Psicodélicos na medicina

A farmacêutica Renata Monteiro fechou a primeira rodada de palestras desta terça-feira abordando o tema “Psicodélicos na Medicina”. Logo de cara, ela apresentou alguns tipos de psicodélicos, dentre eles: Cannabis, DMT, Jurema Ayahuasca, cogumelos, Amanita Muscaria, cactos, Iboga, LSD, LSA e Moma.

"Os psicodélicos abrem uma porta para o subconsciente, permitindo que o mundo consciente seja encarado de uma perspectiva diferente", disse Renata Monteiro.

Os psicodélicos induzem dessincronização cortical, aumentam a quantidade do neurotransmissor (serotonina) e intensificam a atuação do sistema serotoninérgico. Ou seja, ajudam na regulação de sensações, emoções, humor, e ainda reduzem a atividade amígdala, área mais primitiva em termos evolucionários, responsável por emoções e reações de prontidão na luta por sobrevivência, como medo e agressividade.

"Vamos deixar claro que psicodélicos não são alucinógenos. É importante ter informação sobre essas plantas. Precisamos compreender muita coisa dentro do mergulho interior, do autoconhecimento, mergulhar para dentro de si próprio para se autoconhecer e ter essa conexão com o Universo. O uso terapêutico e espiritual dos psicodélicos é a nova fronteira da medicina no Brasil", finalizou.