Camila Teixeira: precisamos de uma regulamentação mais coerente com nossa realidade

Publicada em 16/08/2019

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Entramos na última semana para as consultas públicas da Anvisa sobre a cannabis medicinal no Brasil. Por isso, o portal Sechat pediu para personalidades envolvidas no setor escreverem artigos sobre suas contribuições ao debate. Os textos serão publicados até a próxima segunda-feira, fim do prazo das consultas.

A Cannabis sativa L. é uma planta de uso milenar, assim como tantas outras plantas que a humanidade aprendeu a usar para bem-estar e alívio de sintomas. Porém, ironicamente, nem tudo são flores e há menos de cem anos governos começaram a proibir seu cultivo.

A natureza tem suas formas de agir, e felizmente enquanto escrevo esse texto, milhares de pacientes brasileiros se sentem melhor e podem sorrir, graças aos compostos extraídos dessa mesma planta. Aliás, não só esses pacientes, como também seus familiares e cuidadores, que agora podem dormir tranquilos à noite.

Recentemente, a Anvisa abriu duas consultas à população, uma para regulamentar o cultivo da planta e outra para registro de produtos e monitoramento do uso de produtos à base de cannabis medicinal no país. A proposta inicial propõe cultivo em instalações fechadas, mesmo sendo o Brasil um país continental e um dos maiores produtores agrícolas do mundo.

Trata-se de um aceno a alguns políticos que temem tanto a planta da cannabis que chegam até a defender apenas a produção de canabidiol sintético no país. Posição que vai, inclusive, contra o que a ciência vem documentando sobre o efeito sinérgico dos componentes da planta, como terpenos, flavonoides e até mesmo o THC, usado em casos de espasticidade muscular, por exemplo.

Claro que precisamos garantir rigor na qualidade dos produtos. Porém, essa forma de abrir o mercado mobiliza uma estrutura que apenas grandes empresas teriam como bancar, impossibilitando a produção por associações no abastecimento de insumos terapêuticos para pacientes.

O que precisamos é de uma regulamentação mais coerente com nossa realidade, parâmetros rígidos o suficiente para garantir a qualidade de produtos, mas ainda simples o bastante para possibilitar iniciativas democráticas de oferta de produtos ao mercado nacional. Sabemos que enquanto não houver regulamentação clara (já que existem diferentes visões dentro do governo), o que já foi avançado não pode retroceder. Mas isso não basta, precisamos avançar com melhorias no modelo já existente, como por exemplo, permitir estoque de produtos importados no Brasil, ou diminuir o tempo de espera pela autorização da Anvisa, que hoje em dia é de quase dois meses.

Não podemos dar as costas ao futuro que se desenha a nossa frente, quem tem dor, tem pressa! Desconsiderar um acesso amplo no Brasil é um descaso com a saúde pública.

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