Greve da Receita Federal atrasa entrega de medicamentos importados à base de canabidiol

De acordo com o Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimentos, as cargas estão levando "quatro vezes o tempo normal" para serem liberadas

Publicada em 20/04/2022

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Por Manuela Borges

“Sou mãe de uma mocinha autista que depende do canabidiol (CBD) para evitar crises. Fiz o pedido deste medicamento há mais de um mês e ainda estou aguardando. Neste período de espera, minha filha teve várias crises sérias, inclusive de automutilação. Minha menina precisou ser sedada porque se cortou, ela estava muito angustiada e desorientada. Até quando precisaremos aguardar pelo fim dessa greve para termos acesso aos medicamentos de forma regular? A nossa vida não pode parar”, desabafa.

O relato desesperado é da Danielly Silveira, mãe da adolescente com Síndrome do Espectro Autista. De acordo com a comerciante, a filha faz uso do óleo importado da cannabis há quase dois anos e, desde então, a entrega do medicamento nunca havia demorado tanto. “Em média, o produto demora a chegar em 20 dias úteis no máximo. Dessa vez, já se passaram quase 40 dias e ainda não há previsão de entrega. No código de rastreio dá para acompanhar e ver que o óleo está parado há mais de 10 dias no depósito em São Paulo. Enquanto isso, a minha filha regride no tratamento que estava conseguindo controlar suas crises e agressividade”, conta desolada a mãe da jovem.

Registros da tela d rastreio da mãe Danielly Silveira, que esperou por 14 dias para liberação do medicamento (Créditos da imagem: Arquivo pessoal)
Registros da tela d rastreio da mãe Danielly Silveira, que esperou por 14 dias para liberação do medicamento (Créditos da imagem: Arquivo pessoal)

Situação similar é de outro paciente que prefere não se identificar. Há mais de 30 dias ele pagou pelo medicamento e a informação que aparece no rastreio da importação é de que o produto está parado no depósito à espera da liberação do órgão governamental. “É muito difícil lidar com essa falta de informação. A única coisa que sabemos é que o produto está em São Paulo parado à espera de fiscalização. Para quem sofre de ansiedade é duplamente angustiante. Eu preciso dar início ao tratamento e não consigo. Desse jeito, vou precisar recorrer ao remédio tarja preta.  Tudo bem que a categoria queira lutar por seus direitos. Mas medicação é um assunto muito sério e deveria ser tratado com prioridade”, afirma o paciente. 

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De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimento (IBCI), o prazo médio para a liberação de produtos em portos e aeroportos no Brasil aumentou quatro vezes por causa da chamada “operação padrão” da Receita. Subiu de 5 para 20 dias. Na semana passada, o órgão enviou um ofício ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pedindo agilidade para resolver o problema envolvendo os servidores públicos e o escoamento de cargas. Segundo o documento, os atrasos afetam não somente os operadores que tratam diretamente com exportações e importações, mas também pequenas empresas que possuem operação exclusiva no Brasil e que dependem de componentes importados. 

Outro estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 96% das 186 pesquisadas foram impactadas pela paralisação dos servidores da Receita. Os problemas mais recorrentes dizem respeito ao tempo de desembaraço na aduaneira, demora na inspeção e checagem da documentação, atraso na liberação das entregas de importações e exportações, assim como cancelamento de contratos. 

Desde o fim do ano passado, os servidores do Fisco colocaram em prática a operação padrão na tentativa de chamar a atenção do governo federal. A Receita Federal quer a recomposição do orçamento da pasta e a regulamentação do bônus de eficiência. De acordo com o Sindifisco, o órgão teve redução de 60% no orçamento nos últimos cinco anos, sem contabilizar as perdas inflacionárias. O movimento teve início após o presidente Jair Bolsonaro prometer reajustar o salário de policiais federais. A insatisfação também desencadeou protestos de outras categorias.

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Apesar de o Sindifisco afirmar que a categoria não está em greve, o sindicato reconhece que a mobilização tem retardado a liberação de cargas, uma vez que com a implantação da operação padrão, a inspeção nas mercadorias é feita de forma minuciosa, justamente para gerar esse impacto de lentidão e pressionar o executivo a atender às demandas da categoria. Entretanto, de acordo com a entidade, medicamentos, cargas vivas e alimentos perecíveis deveriam ter prioridade absoluta nas aduanas. 

De um lado, o Sindfisco alega que a liberação de medicamentos pela Receita Federal está normal e não foi afetada pela mobilização. Inclusive, afirma que o problema na liberação do medicamento da filha da Danielly Silveira (do início da reportagem) estava na Anvisa. De outro, a Agência Reguladora informa que tem facilitado o processo de importação, inclusive gerando de forma imediata a autorização para a entrada de canabidiol no Brasil. 

No meio desse jogo de empurra-empurra está o paciente e o seu direito de ter acesso ao tratamento cerceado por demandas sindicais. “É revoltante! Nessa guerra entre governo e servidor, o paciente é quem sai mais prejudicado! Já somos refém de importação, porque o Brasil não pode cultivar uma planta medicinal e agora mais essa burocracia para conseguir canabidiol. É difícil demais”, reclama Danielly. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Economia e da Receita Federal para pedir esclarecimentos sobre a operação padrão dos auditores do Fisco e a liberação de medicamentos, mas órgãos disseram que não vão comentar.

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