Do tráfico ao auto-cultivo legalizado: a retrospectiva de Margarete 5 anos após 'Ilegal'

"Fazendo essa retrospectiva na minha memória, vi que tanta coisa foi feita, conquistada e transformada nesses anos, mas que mesmo assim, estamos só começando", destacou a fundadora da Apepi

Publicada em 03/10/2019

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Por Margarete Brito

O Sechat me pediu um artigo comemorativo dos 5 anos do filme Ilegal. Quando comecei a escrever fiz um exercício voltando no tempo, ano por ano, lembrando de cada momento importante dessa trajetória de luta, das pessoas que conheci, que ajudei, que me ajudaram. É tanta gente envolvida que peço desculpas por não conseguir lembrar de todos.

Tudo aconteceu como um furacão na minha vida. Eu não tinha ideia que da mensagem para a Penny, mãe da Haper, no dia 29 de setembro de 2013, pedindo ajuda para o tratamento da minha filha Sofia, nossas vidas seriam completamente transformadas. E que a ajuda era para muito além da nossa família e da nossa vida.

Nada foi por acaso. Tudo estava tão conectado, como se já tivesse um roteiro pronto, onde a primeira mãe que eu ajudei, logo se transformou no caso mais conhecido do Brasil, a Katielle Ficsher, mãe da Anny, indicada por mim ao Tarso, que era amigo do Emilio Figueiredo (da Reforma Drogas), que me conhecia também, surgindo assim o documentário Ilegal, que além das telas do cinema, ganhou as mídias do Brasil e fora
daqui também.

A causa tomou forma. Formou-se uma rede de conexão muito maior do que
imaginávamos. Pessoas que vieram antes ou depois da nossa história se juntaram, desde então pautando as mídias e reverberando a causa. Essas histórias que são compartilhadas por milhares de pessoas, tocando suas vidas e impulsionando o engajamento, revelando o ativismo de cada um e fazendo vir a tona novas pessoas comprometidas com uma causa que cresce exponencialmente.

É uma história que não vejo fim, porque não tem! Ela só será amplificada. Em todos os países, existem os primeiros casos que ganham a mídia, a maioria de epilepsia onde a cannabis transforma a vida de uma criança e a partir daí, semeia condições para uma discussão pública sobre os motivos reais do proibicionismo.

Hoje, como ativista, sinto profunda responsabilidade em ajudar a desconstruir tanta injustiça histórica sobre a criminalização da maconha.

Nesses 5 anos, foram muitas conquistas, no Congresso Nacional, no Judiciário, no Legislativo, mas para mim a maior de todas as conquistas são aquelas que vem do olho no olho, da transformação pela informação.

Hoje muitas pessoas já entendem que é a mesma maconha que pode salvar a vida de nossas crianças, que não existe cabimento em prender cultivadores, que os cultivadores não querem sustentar o tráfico, que as pessoas querem ter o direito de usar a erva sem precisar de uma receita médica. É a mesma planta !

Eu não tinha ideia que seria a primeira brasileira a ter autorização judicial para o auto-cultivo, que viajaria para outros países para contar nossas histórias, que eu seria coordenadora de uma associação, hoje com uma sede no centro do RJ, com quase 300 associados engajados e parcerias com a Fiocruz.

A Apepi se torna a cada dia um projeto com sustentabilidade, começa a formar uma equipe remunerada, dá cursos e ajuda tanta gente (direta e indiretamente).

Há cinco anos, eu não imaginaria que em pouco tempo, o Emílio seria um dos fundadores de uma rede de advogados ajudando mais de 40 pessoas com Habeas Corpus para o auto-cultivo, que hoje já existiriam inúmeras associações pelo Brasil, que o Cassiano criaria a Abrace Esperança e seria essa coisa linda que é. Fazendo essa retrospectiva na minha memória vi que tanta coisa foi feita, conquistada e transformada nesses anos e que mesmo assim, estamos só começando!

E como diz a música Sal da Terra, vamos precisar de todo mundo.

Margarete Brito é advogada e fundadora da Apepi, Associação de Apoio á pesquisa e Pacientes de cannabis Medicinal.