Você sabia que o cacau possui canabinoides miméticos?

No início do século XX, o Brasil se destacava como o principal exportador mundial de cacau. No entanto, devido algumas ocorrências o país agora ocupa a sétima posição no ranking global de produção e exportação desse produto

Publicado em 14/04/2024
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O Chocolate, advém da palavra asteca xocolatl, sendo xococ (amargo) + atl (água). Data-se que este fruto de uma delgada polpa branca com sementes marrons e amargas, começou a ser cultivado e valorizado como uma bebida sagrada pelos Maias entre 250 d.C. e 900 d.C.  Em 1753 o cientista sueco Carl Linnaeus nomeou o fruto de Theobroma cacao, que significa “alimento dos deuses”, conforme a ancestral cultura Maia o considerava.  

 

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Sementes de cacau | Foto: Reprodução

 

O Brasil, que já foi o maior exportador mundial de Cacau no início do século XX, após crises, pragas e aumento da concorrência, está em sétimo lugar no ranking internacional de produção e exportação dessa commodity. Contudo, isso pode mudar muito em breve. Resultante da crise do cacau na África, o custo do cacau subiu para mais de 10.000 dólares por tonelada no último mês, oferecendo ao Brasil, Equador, Peru e Indonésia a oportunidade do “boom do cacau”.  

O Pará e a Bahia se destacam na produção e exportação do cacau, considerando que a Bahia, em especial o litoral Sul, entre Ilhéus e Canavieiras liderou a produção nacional do cacau por quase um século (1890-1989), ficando em segundo lugar após a praga da vassoura de bruxa do final dos anos 80. O habitat natural do cacaueiro é o de uma floresta tropical perene, com temperaturas 32 °C e 18°C e umidade relativa mínima de 70%, sendo a cabruca ou a agrofloresta tradicional a melhor forma de cultivo orgânico.

O cacau contém 40-50% de gordura, como manteiga de cacau, com aproximadamente 33% de ácido oleico, 25% de ácido palmítico e 33% de ácido esteárico e polifenóis entre eles as catequinas (37%), antocianidinas (4%) e proantocianidinas (58%).  Os polifenóis contidos no grão, provocam o sabor amargo, e torna o cacau uma das fontes dietéticas, mais ricas em antioxidantes. Rico em minerais como o potássio, fósforo, cobre, ferro, zinco e magnésio, o cacau também dispõe de teobromina, cafeína e proteínas.

Alguns autores demonstraram que as procianidinas do licor de cacau reduziram significativamente a incidência e a multiplicidade de carcinomas pulmonares e diminuíram os adenomas da tireoide desenvolvidos em ratos machos, e inibiram a tumorigênese mamária e pancreática em ratas, reduzindo também a atividade do fator de crescimento endotelial vascular e consequentemente a atividade angiogênica associada ao tumor.  

O potencial antioxidante dependente dos polifenóis contidos no chocolate amargo, que atuam no Sistema Nervoso Central (SNC), e podem contribuir para a melhoria de algumas doenças neurodegenerativas.  Através da vasodilatação, aumento da formação de vasos sanguíneos no hipocampo e otimização do fluxo sanguíneo cerebral, o cacau aumenta a oferta de oxigênio e glicose aos neurônios. Um estudo prospectivo em indivíduos idosos (idade ≥ 65 anos) mostrou que a ingestão de chocolate estava associada a uma diminuição do risco de declínio cognitivo durante um acompanhamento médio de 48 meses. O aumento no transporte de triptofano através da barreira hematoencefálica proporcionado pela ingestão de cacau, provoca um aumento da síntese cerebral de serotonina, e a consequente sensação de energia e prazer.  

A microbiota intestinal é responsável pela metabolização de polifenóis em outros compostos bioativos com propriedades anti-inflamatórias. Em ratos Lewis, uma dieta com 10% de cacau ou uma dieta com 0,25% de teobromina foram capazes, após uma semana, de reduzir as concentrações séricas de IgG, IgM, IgA e IgA intestinal, as proporções CD4-CD8- e CD4+CD8-, e alteração da porcentagem de T-helper no mesentério e no baço, em comparação com a dieta controle. Pesquisadores avaliaram que a ingestão de 494 mg de flavonóides de cacau/dia durante 4 semanas provocou um efeito significativo no crescimento da microbiota intestinal. O consumo regular de cacau pode estar relacionado à prevenção ou melhoria de processos alérgicos.  

O cacau induz efeitos positivos na pressão arterial, resistência à insulina e função vascular e na homeostase da glicose, retardando a digestão e absorção de carboidratos no intestino, regulando o transporte de glicose e proteínas sinalizadoras de insulina em tecidos sensíveis à insulina (fígado, tecido adiposo e músculo esquelético), prevenindo danos oxidativos e inflamatórios nesses tecidos. Em uma coorte multiétnica dos Estados Unidos, os autores encontraram um risco menor de desenvolver DM2 em indivíduos com maior ingestão de produtos de chocolate e flavonóides derivados do cacau.

Estudos demonstram que a administração de cacau diminuiu o tecido adiposo visceral em ratos, e o cheiro de chocolate amargo produziu uma resposta de saciedade e redução do apetite em humanos, podendo ser útil no controle do peso. Os flavonóides podem produzir eventos metabólicos que induzem a redução da lipogênese, a indução de lipólise e o aumento da secreção de adiponectina, reduzindo a deposição lipídica e a resistência à insulina.

Os efeitos medicinais do chocolate são diretamente proporcionais a quantidade de polifenóis presentes, contidos apenas na semente do cacau, logo o chocolate branco, feito com a manteiga de cacau, leite e açúcar, não possui esses efeitos, sendo muitas vezes utilizado como veículo controle nos estudos científicos.  Dentre seus compostos nitrogenados as N aciletanolaminas, mais precisamente a N-oleil etanolamina N-linoleoil etanolamina comprovaram estimular a ação da FAAH, provocando uma redução na degradação da Anandamida também conhecida como N -araquidonoiletanolamina ou simplesmente AEA, e consequentemente o seu estímulo no sistema endocanabinoide. Detalhe este que explica a sinergia entre o Cacau e a Cannabis, e embasa os produtos medicinais de chocolate com canabinoides, disponíveis em diferentes concentrações em alguns países do mundo, como a Holanda, Canadá, Chile, Uruguai e Estados Unidos.  

O verdadeiro vício em chocolate (ser chocólatra) é semelhante ao do alcoolismo e à dependência da nicotina; afetando cerca de 40% da população feminina e 15% da população masculina nos países ocidentais. O chocolate exerce diversos efeitos na sexualidade humana, atuando principalmente como afrodisíaco, principalmente pelo efeito do Cacau no Sistema Endocanabinoide e a ação das três N-ariletanolaminas insaturadas, no aumento da concentração de anandamida, que por sua vez já demonstrou estimular o desempenho sexual em ratos machos.

Unindo a ideia de promover um evento educativo canábico no litoral Sul da Bahia e em honra à tradição cacaueira da região, surge o nome CACAUNNABIS para o projeto que será concretizado pela primeira vez nos dias 19, 20 e 21 de abril de 2024. Integrando aprendizagem com vivências únicas, o evento visa promover e compartilhar o conhecimento científico e experiencial disponível sobre o uso terapêutico dos produtos derivados da Cannabis, sua sinergia com o cacau e as práticas complementares. A intenção é reunir personalidades locais interessadas no tema, acolhendo quem vem de longe, numa proposta de nutrir o conhecimento e a vitalidade, e assim fortalecer os movimentos em prol do acesso ao tratamento canabinoide, principalmente a quem a necessidade urge. 

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.


 

Imagem do colunista Lina Dantas
Lina Dantas

Dra. Lina (Carolina Dantas) CRM 23322 é médica, graduada pela EBMSP BA há 12 anos. Estudiosa e pesquisadora da Cannabis Medicinal e CBD há 5 anos. Pós Graduada em Cannabis Medicinal- Unyleya, com certificação de prescrição internacional de Cannabis WeCann Academy. Supervisora do Programa Mais Médicos há 6 anos, atua no SUS, com as Práticas Integrativas Complementares. Fundadora da UNO Clinic Brasil, vem se dedicando aos modelos de assistência e saúde Integrativa.