Cannabis desperta o interesse do agronegócio brasileiro

Bancada ruralista, a mais poderosa do Congresso Nacional, começou a enxergar a planta como uma commodity de alto valor

Publicada em 13/11/2019

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O plantio de maconha no Brasil, seja para fins medicinais, pesquisa ou o cânhamo industrial, começou a chamar atenção do agronegócio brasileiro, que é o setor mais familiarizado com a mão na terra. A edição de novembro da revista Globo Rural, por exemplo, dedicou sua capa e mais dez páginas para tratar do assunto. Além disso, a comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara dos Deputados já aprovou uma audiência para discutir a liberação do plantio, ainda sem data definida.

"Por que não falar da cannabis? A Globo Rural optou por falar do cultivo por dois motivos: é uma opção para o tratamento de várias doenças e pode se tornar uma nova commodity agrícola. Já é o caso de 30 países que estão cultivando a planta para diversos usos", explicou Bruno Blecher, diretor de redação da Globo Rural, sobre a escolha da capa.

“A discussão acerca da maconha vai muito além do uso recreativo e o foco da edição de novembro de 2019 é voltada para o uso medicinal, não recreativo, o que não dá o "barato" nem "larica".”, acrescentou o jornalista especializado em agronegócio.

Em setembro, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural aprovou um requerimento para realizar uma audiência pública e discutir a proposta que visa à liberação do plantio da cannabis sativa para fins medicinais. O autor do requerimento, deputado Fausto Pinato (PP-SP), também presidente da comissão, ressaltou que o setor não pode mais se “furtar desse debate”.

Segundo ele, é necessário entender que, caso seja aprovada a comercialização, a agricultura tem tudo a ver com o assunto.

“Estou vendo muito se falar de comercialização, mas esqueceram que a cannabis não dá no céu, dá na terra. E se for o caso de ter ou não essa liberação, eu acho que é um debate importante para trazer um protagonismo a essa Comissão”.

Na justificativa da proposição, o deputado destacou que a Anvisa já liberou, em 2017, o uso do medicamento fabricado no exterior a partir de extrato de cannabis, o Mevatyl, que é usado no tratamento da esclerose múltipla e custa em torno de R$ 2,8 mil. O medicamento ficou com o estoque esgotado nas farmácias após decisões judiciais ampliarem o uso do produto.

O jornalista Denis Russo Burgierman, que possui uma coluna sobre cannabis medicinal na revista Época, destacou que os parlamentares da bancada ruralista e os agricultores estão se revelando bem mais progressistas que a classe médica, se considerarmos o posicionamento do Conselho Federal de Medicina, que diz que maconha medicinal sequer existe. Também estão mais dispostos a fazer o tema avançar do que a bancada evangélica.

“Claro que um pedaço dessa discussão tem a ver com algo bem simples de entender: dinheiro e poder. Para muitos médicos, a Cannabis é uma ameaça — um remédio sobre o qual a maioria deles não conhece nada, produzido à revelia da indústria farmacêutica, que tem relações promíscuas com a classe médica. Já para os agricultores, é uma oportunidade de negócios, independentemente do conservadorismo da classe: a cannabis é uma commodity de alto valor, que tem condições ideais para crescer no Brasil”, opina o colunista.

“O fato é que, se a bancada ruralista abraçar mesmo o tema, o rumo do debate no Congresso Nacional muda. Com 247 deputados e 38 senadores, ela é de longe a mais poderosa do parlamento — muito mais que a chamada bancada evangélica, que não chega a 100 parlamentares e está mais próxima do governo nessa questão”, conclui.