A necessidade do acesso à informação e produtos de qualidade a base de cannabis: uma questão de saúde pública

A falta de acessibilidade - devido ao alto custo - não é a única dificuldade dos pacientes que desejam se beneficiar do uso terapêutico da cannabis. Adriana Russowsky comenta este e outros obstáculos deste mercado.

Publicada em 08/02/2022

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Por Adriana Russowsky

A Cannabis vem sendo protagonista da mídia há tempos e tem o interesse da população, que abusa da automedicação. O atraso ao acesso garantido e a falta de noção na constituição da regulamentação do ramo, dificulta a compra de medicamentos de qualidade no Brasil. Sendo assim, hoje, ocorre estímulo do mercado negro. 

No futuro, acabará interferindo no sistema público de saúde, pois há uso incorreto e com produtos que não seriam os ideais. 

De fato, não está de acordo com a magnitude do potencial curativo que a planta pode atingir, nem com o potencial econômico.  

Os anos se passaram e as pessoas acabam procurando apresentações de Cannabis mais em conta, oriundas muitas vezes de fontes duvidosas: é o melhor que puderam fazer para conseguir se beneficiar deste tipo de tratamento em um país burocrático e confuso. E a informação sobre maneiras corretas de uso e qualidade dos produtos ainda é pequena.

O informal “fumar” (a via inalatória não é autorizada no Brasil) voltou a ser um novo modismo, agora embasado em poder medicinal. Este protelamento legislativo aqueceu também outros setores que não o da saúde, como o de artigos de tabacaria, cultivando um novo lifestyle. Sendo assim, nunca foi tão importante a Informação no Sistema Educacional de Jovens e Adolescentes, uma vez que apresentações ricas em THC podem vir a prejudicar o desenvolvimento cognitivo do cérebro em desenvolvimento. Se o canabidiol (a base de Cannabis ou não) fosse ao menos normatizado como suplemento alimentar, dá para imaginar um cenário diferente, bem como a economia circulante. Independente de como as normativas caminhem, temos um fato e não podemos ir contra ele.

Sobre qualidade dos produtos a base de Cannabis disponíveis no mercado: Qual é o melhor a consumir e de que maneira?

Este ano veremos o aumento de marcas e apresentações disponíveis em farmácias comerciais, através de receituário controlado. Veremos também a expansão do mercado canábico veterinário, que já vem a todo vapor demonstrando excelentes resultados. 

Apesar dos preços ainda não estarem adequados ao bolso da grande maioria (como o preço de tudo, ultimamente), poderemos ter acesso a extratos da planta inteira (full spectrum, com Efeito Entourage ou Comitiva, aquele obtido da sinergia de todos os químicos naturais encontrados na planta, canabinóides, terpenos, flavonoides, entre outros). No início, pelas normativas, só podíamos comprar produtos full spectrum através de associações autorizadas ou de importadoras que auxiliavam no processo de aquisição dos extratos produzidos em outros países. Com a alta do dólar e anos de pandemia, criou-se um mercado paralelo onde se pode adquirir extratos diversos por aí, de qualidade questionável, conforme já comentado, apesar da enorme oferta de produtos com acesso regulamentado. 

Até pouco tempo atrás, só existia em farmácias comerciais medicamentos de alto custo com canabinóides isolados, que apesar de salvarem a vida de muita gente, trazem fortes efeitos adversos e necessitam de doses maiores, além de não se pode obter toda a funcionalidade proporcionada pelo Efeito Entourage da planta. Isto ocorreu, pois, estudos maiores e com grande número de cobaias (que são os de fato reconhecidos pela comunidade médica tradicional) são mais fáceis de elaborar e têm menor custo, pois são medicamentos isolados por laboratórios grandes. Estes estudos conseguiram mudar o cenário da descriminalização da planta, abrindo muitas portas para o momento atual.

Em 2019, a equipe do renomado cientista Raphael Mechoulam publicou um estudo na reconhecida revista Nature, com 188 pacientes autistas sendo tratados com o medicamento integral da planta, full spectrum. Após 6 meses, obtiveram significativa melhora dos sintomas*, com menos efeitos adversos, quando comparados aos tratamentos tradicionais, mudando o olhar da comunidade médica para a qualidade do remédio canábico e mudando a preferência do medicamento químico isolado pelo natural. 

Mesmo assim, devemos estar atentos aos extratos utilizados, e a fiscalização da Anvisa deve ser severa quanto a contaminação por pesticidas, químicos prejudiciais e metais. Os medicamentos isolados, alopáticos, a base de canabinoides têm grande importância e aplicação na comunidade clínica, mas, sob meu olhar, devem ser aplicados com maior cautela e em casos específicos.

* 86.6% dos participantes continuaram o tratamento. Destes, 60% responderam a um questionário com diversas questões sobre qualidade de vida e autonomia dos pacientes. Destes, 30% relataram grande melhora e 53,7% melhora moderada (mais de 80% de benefícios com o tratamento). Bar-Lev Schleirder, L.. et al. Real Life Experience of Medical Cannabis Treatment in Autism: Analysis of Safety and Efficacy. Nature Scientific Reports, 9:200, 2019.

A pouca orientação resulta em uso incorreto da planta: Efeitos adversos e a predisposição ao desenvolvimento de Ansiedade e Doenças Psiquiátricas: Informação também é tratamento

Da mesma maneira que o delta-9-THC (e delta-8-THC também) reduz a ansiedade, em baixas doses*, pode também por este mesmo mecanismo de ação ocasionar uma reação adversa de aumento deste sintoma. Os consumidores assíduos de apresentações que possuem maior teor de THC, como o medicamento Mevatyl ou o Haxixe, podem relatar isto com propriedade. A ideia de utilização de teores maiores de Canabidiol (CBD), podem atenuar ou até mesmo tratar a ansiedade**.

O déficit de atenção, que pode ocasionar dispersão e falta de foco, verborreia, trocas de um assunto para o outro, dificuldades de compreensão e aprendizado pode ser tratado ou estimulado com apresentações de Cannabis. Tudo depende da qualidade e quantidade do que se utiliza.

A fobia social vem do uso contínuo e potencial, onde a pessoa de fato prefere o isolamento e se sente deslocada em conversas e acontecimentos de seu círculo. Sinais que apontam para este caminho, são verdadeiros alertas para a redução ou regulação do consumo medicinal ou recreativo.

Informações como estas podem readequar a maneira de uso e melhorar a qualidade de vida do paciente/usuário. Ou até mesmo orientar uma redução do consumo ou da dosagem do medicamento/insumo, otimizando o tratamento e reduzindo o investimento financeiro no mesmo. 

Algo que se deve saber também sobre os tratamentos, é que nem sempre as dosagens maiores são as mais efetivas, e tendo percepção da dose/reação, pode auxiliar. A percepção de como seu corpo responde ao que você utiliza: este é o primeiro degrau para o sucesso de uma vida saudável, e não somente para estabelecer uma dosagem em seu protocolo de Cannabis Medicinal. 

Cada pessoa sabe o que é melhor para si, mas é também dever do governo providenciar a noção e orientação geral, conforme modelo de países mais desenvolvidos. Partindo da máxima de Paracelsus que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, e tendo o indivíduo conhecimento e compreensão dos riscos e benefícios, logo a interferência no sistema de saúde seria menor, médio a longo prazo, pois a utilização seria melhor e mais sustentável. Aproveitar os canais de informação e a onda de interesse sobre o assunto é uma boa carona para se tomar, respondendo assim de maneira não violenta a questão da legalização e acesso a planta.

* Através do mecanismo de ação de ligação aos receptores de CB1 e vanilóides (responsáveis pela sensação de noocepção, ou seja, da percepção da dor, aumentando o bem-estar. (Kamal, B. S. et al. Cannabis and the Anxiety of fragmentation – A Systems Approach for findings and anxiolytic Cannabis Chemotype, Front Neurosc, publicado em 22 out 2018).

** O CBD estimula receptores 5-HT1A, de maneira mais poderosa do que o THC. Este receptor é responsável pela qualidade de nossos níveis de serotonina (Russo, E. B. et al. Agonistic proprieties of cannabidiol at 5-Ht1a receptors, Neurochem Res, 30(8):1037-43, 2005).

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre a autora:

Adriana Russowsky é farmacêutica, pós-graduada em administração de empresas e mestre em Ciências da Reabilitação. Atuou como docente em programa de pós-graduação e atua no mercado canabico desde 2018. Embasou sua carreira através da Fitoterapia e criação de protocolos de suplementação na medicina clínica preventiva e canabica. No momento, atua prestando consultoria em serviços no setor, além de desenvolvimento de produtos, suplementos, medicamentos e cosméticos, baseados na naturalidade e fitoterapia. Também escreve conteúdo científico para marketing na área da saúde e na área clínica e realiza atendimentos de Assistência Farmacêutica e Estruturação de Protocolos Terapêuticos.