"Vamos negociar o plantio associativo", espera o relator da comissão da Cannabis na Câmara

Em entrevista ao Sechat, Luciano Ducci avaliou as atividades da comissão em 2019: disse buscar consenso com deputados e senadores para aprovação do plantio por ONGs e adiantou que deve entregar o relatório final em abril

Publicada em 23/12/2019

capa
Compartilhe:

Encerradas as atividades no ano pela Comissão Especial sobre Medicamentos Formulados com Cannabis da Câmara, é hora de avaliar os trabalhos de 2019 pelos parlamentares. O portal Sechat conversou com o relator da comissão, Luciano Ducci (PSB/PR), responsável pelo relatório que irá anteceder o parecer ao Projeto de Lei 399/15, que trata do assunto. O político fez uma avaliação bastante positiva dos debates realizados e informou que pretende entregar o documento entre março e abril do ano que vem.

Em 13 reuniões, foram ouvidos representantes da Anvisa, do Ministério da Saúde, de empresas, de associações de pacientes, além de médicos, cientistas e advogados envolvidos com o tema. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, maior opositor ao plantio no país, também foi ouvido pelos deputados, numa sessão bastante tumultuada. Os trabalhos serão retomados agora no dia 11 de fevereiro, quando deverá ser ouvido o agora ex-presidente da Anvisa, Willian Dib.

Para Luciano Ducci, a resolução aprovada pela Anvisa "ficou muito aquém da expectativa" e o grande desafio da comissão será aprovar o plantio. Por empresas, o político acredita que será aprovado. Já para o associativo, Ducci afirma que serão necessárias negociações com deputados e também senadores, já que o projeto deve ser aprovado também naquela Casa. Já o individual, para o relator, "é o mais difícil".

O político falou também sobre a visita técnica que a comissão fará à Colômbia em fevereiro, onde será conhecido o modelo de plantio do país vizinho, e com relação à possibilidade dos medicamentos à base de maconha serem fornecidos pelo SUS. Confira a entrevista completa.

Qual o balanço que o senhor faz sobre os trabalhos da comissão em 2019?

A gente avançou bastante no processo todo com a criação da comissão e com audiências públicas que foram muito positivas, sempre com participação de cientistas, pesquisadores, associações, famílias de pacientes que participaram com suas experiências. Deu um grau mais amplo do que a gente imaginava sobre a importância de termos o medicamento à base de Cannabis disponível no Brasil com custo acessível. Esse foi o grande avanço que fizemos.

Paralelo a isso, tivemos avanços na discussão que a própria Anvisa já vinha fazendo, que culminou com uma resolução que ficou muito aquém da expectativa que todos tinham no início da discussão. Isso reforça a importância da comissão para que a gente possa avançar em vários aspectos que a Anvisa, por questões políticas, não conseguiu fazer, apesar de todo o esforço que o Dr. Dib fez para que isso acontecesse, mas foi no limite do que era possível estar aprovando.

Então nós temos um trabalho grande para fazer, estabelecendo critérios que a gente possa colocar para o plantio da Cannabis, tanto com alto teor de THC, como com baixo, com critérios diferenciados, a questão da pesquisa que é fundamental para nós, no entendimento de que não se consegue avançar nos medicamentos sem pesquisa de qualidade, apoiando as universidades. E com isso, você ter a comercialização de um medicamento com baixo custo e depois ainda a questão da exportações.

Os trabalhos retomam no ano que vem, de 11 de fevereiro. Porém dois dias depois têm a visita técnica a Bogotá. O que vocês esperam encontrar na Colômbia e como será o trabalho da comissão por lá?

A agenda não está totalmente pronta, mas o principal para nós na Colômbia é a questão do plantio. O plantio vai ser o grande desafio nosso, que será ter uma legislação que permita o plantio com critérios diferenciados de THC e CBD. E acho que a Colômbia tem uma experiência de plantio que possa nos interessar, nos ajudar na elaboração da nossa proposta de plantio. A parte de medicamentos e prescrição, no Brasil já está bem resolvida, mas para o plantio vai ser fundamental.

Além da Colômbia, estão previstas viagens para Israel, EUA e Canadá. Contudo, tem havido críticas sobre essas viagens, sob alegação de que os deputados iriam fazer turismo. Por que essas visitas são importantes, deputado?

São importantes justamente para a gente conhecer experiências mundiais de regulação dos medicamentos à base de Cannabis e poder adaptar a questões nacionais. Então ninguém vai fazer turismo, ninguém vai na Colômbia numa quarta-feira ficar dois dias visitando organismos locais e voltar para o Brasil. É um pensamento pequeno, isso. Israel é pioneiro na pesquisa da Cannabis, e nós precisamos avançar muito aqui na pesquisa e dar condições para que nossos pesquisadores possam realmente ajudar nesse processo. Como a questão do Canadá que é referência porque cumpre todas as etapas, desde o plantio até a comercialização. Então essas visitas técnicas todas têm agendas públicas, como a do Uruguai, então todos podem saber onde nós estamos indo.

A comissão tem interesse de conhecer a Paraíba, onde fica a Abrace, a única associação de pacientes autorizada a cultivar Cannabis no Brasil? 

Sem dúvida. A gente vai fazer essa visita. Vai entrar na nossa programação de visitas. É importante, porque é a associação mais organizada, com autorização da plantio e distribuição de óleo para seus associados. Tem muita discussão internacional sobre a questão das associações, então vamos procurar o melhor caminho para dar um encaminhamento positivo sobre esse assunto.

Hoje existem projetos de lei em São Paulo e em Goiás prevendo que o SUS forneça, de forma gratuita, derivados de Cannabis. Também há uma lei no Distrito Federal. Existe alguma iniciativa nesse sentido, de que os derivados de Cannabis sejam fornecidos de forma gratuita pelo SUS?

A gente vai avançar nessa discussão no andar do processo de elaboração da lei. Porque para liberar um medicamento pelo SUS, tem que ter uma discussão com o Ministério da Saúde também, e na Anvisa, para ver os critérios. Mas preenchendo todos os critérios, não tenho dúvidas que o SUS vai acabar fornecendo, que é muito melhor ele fornecer do que enfrentar uma disputa comercial.

A comissão inicia os trabalhos dia 11 de fevereiro e encerra os trabalhos entregando o parecer ao Projeto de Lei 399/15 quando? 

Entendo que entre o final de março e abril a gente tem o relatório pronto para ser discutido na comissão. E aí vai depender da discussão que vai haver, os ajustes, os consensos, porque não é somente a minha vontade ou a do Paulo Teixeira (PT/SP), presidente da comissão, que vai prevalecer num relatório como esse. É um relatório que tem que prevalecer uma média da maioria das pessoas que fazem parte da comissão para que esse projeto seja aprovado e não seja um projeto que não tenha condições de ser aprovado.

Eu sempre digo que o ótimo é inimigo do bom. Eu quero fazer um bom projeto que tenha condições de ir para o Senado e seja aprovado no Senado. Vou articular conversas com os senadores antes de apresentar o relatório para que haja já um direcionamento para que essa lei seja aprovada rapidamente no Senado e possa estar valendo já no ano que vem.

O mais difícil é a questão do plantio associativo e individual? Esse é o tema mais espinhento?

Se a gente passar bem a questão do plantio, já resolve uma série de questões. O individual é o mais difícil de todos e mais difícil de buscar consenso. E a questão do associativo, vamos tentar negociar, encontrar alguma margem que possibilite que mantenha dentro de terminadas regras.