Update Europeu: 15 dias no velho continente trazem boas perspectivas a América Latina

Depois de participar da Convenção Anual da Associação Europeia de Cânhamo Industrial (EIHA) na Bélgica e visitar empresas na Europa, Lorenzo Rolim da Silva traz com exclusividade as últimas novidades do mercado do cânhamo internacional

Publicada em 30/06/2022

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Por Lorenzo Rolim da Silva

Durante as duas últimas semanas, estive viajando pela Europa, mais precisamente pela Bélgica e pela Holanda, participando da Convenção Anual da Associação Europeia de Cânhamo Industrial (EIHA), que é uma das associações mais antigas e maiores do mundo na indústria, e também realizando visitas a empresas as quais a Associação Latino Americana de Cânhamo Industrial (LAIHA) considera estratégicas para o avanço da indústria na nossa região.

Convenção Anual da EIHA

Já estive presente nas duas últimas edições da convenção, em 2020 e 2021, que foram realizadas on-line devido a pandemia. Nos dois momentos, fui convidado a participar como palestrante e trazer um update sobre a nossa região. Esse ano a diferença foi a presença física. O evento foi um sucesso, auditório lotado, público bastante engajado e participativo e, é claro, todos de alguma forma representantes de empresas, governos ou de instituições de pesquisa.

O Cânhamo na Europa é um assunto antigo. O continente produz grandes quantidades de grãos e fibras, além de ter esses produtos disponíveis ao público em todos os países do bloco. O CBD e outros canabinóides crescem todos os anos e estão bastante próximos de serem considerados suplementos alimentares pela União Europeia (principalmente extratos full-spectrum utilizados em produtos alimentares). A EIHA lidera o maior estudo do setor para inclusão dos extratos como “Novel Food”, uma categoria de novos produtos alimentares que vale para toda a zona do Euro, já que foi exigido que os extratos passem por todo o processo de validação de segurança alimentar e toxicidade. É importante salientar que grãos, farinhas, proteínas, chás e outros produtos que não contenham os extratos já são comercializados a muitos anos, décadas na verdade, sem problema nenhum na maioria dos países.

O principal tema da Convenção Anual foi realmente o mercado de Carbono. Tema quente para qualquer setor da economia atualmente, e que o cânhamo se encaixa como uma luva nessa nova categoria de “Carbon farming”, quando os cultivos são realizados com a intenção clara de absorver o máximo de carbono possível da atmosfera. Nesse sentido, nós é que fomos destaque absoluto. Em minha palestra, ressaltei tudo que foi desenvolvido no Paraguai nos últimos anos, principalmente a validação de absorção de até 72 toneladas de carbono por hectare de cânhamo produzido. O que gerou muito interesse de praticamente todos os que estavam presentes, além é claro de toda a parte de desenvolvimento e inclusão social dos projetos. Foi a primeira vez em muitos anos que me pareceu muito claro que nossa indústria está a frente da deles, pois esse tipo de validação ainda é inédita por lá. A lição que ficou foi que temos que andar de cabeça erguida pelo mundo do cânhamo, pois no primeiro país que realmente entendeu que o cânhamo industrial é uma commodity agrícola, já somos destaque mundial. Imagina quando for algo comum na região.

Além disso, demonstrei com números o tamanho da nossa agricultura, o que deixou muitas pessoas impressionadas, pois são números que eles não estão habituados a ver. O fato de o Brasil ter em terras agrícolas áreas maiores do que as dimensões totais de muitos países europeus gerou muitos comentários de que, “quando o Brasil abrir para o cânhamo, vai quebrar a nossa indústria aqui”.

As boas notícias que pudemos extrair do evento são que a demanda está crescendo fortemente, tanto para produtos alimentícios, quanto para fibra natural. Aliás, a demanda por fibras está em forte alta na China, país que produz produtos têxteis de cânhamo para as maiores marcas do mundo.

A crise mundial de alimentos, que tem gerado forte inflação em todo o mundo, também está influenciando uma maior procura e alta de preços dos alimentos à base de cânhamo. Em praticamente todo o mundo, a área cultivada caiu de 2021 para 2022 e já se prevê uma falta de grãos de cânhamo na Europa até o final do ano, o que deve gerar preços mais altos e uma excelente oportunidade para os produtores latino americanos. Os produtos mais procurados são o grão inteiro (tanto para alimentação humana, quanto animal, em especial o mercado de alimentação de aves que está crescendo) e as proteínas isoladas de cânhamo, que têm sido utilizadas em produtos para substituição de carne, preferência de consumidores bastante forte na Europa. Agora mais do que nunca é o momento de os produtores e processadores da América Latina se integrarem nas cadeias mundiais de comércio dessa commodity.

A notícias ruins ficaram a cargo da indústria do CBD e produção de flores, pois muitos países ainda têm regras e regulamentações confusas. Além é claro do fato de os preços globais por flores e extratos estarem em queda quase constante nos últimos 2 anos. Vi algumas empresas europeias, que já estão pivotando para o cânhamo industrial em busca de mercados mais estáveis e abertos. A maior, e talvez única, expectativa de melhora é a abertura do mercado recreativo da Alemanha, esperada para os próximos 12 meses. Dependendo das regras, pode ser uma excelente oportunidade para a venda de estoques de flores e extratos que estão acumulados aqui no Uruguai e na Colômbia, já que os produtores constantemente nos procuram na LAIHA para tentar alguma ajuda na comercialização.

Visitas a empresas europeias

Após o evento, aproveitei a oportunidade de visitar algumas empresas em busca de parcerias para avançar a indústria na América Latina, principalmente no setor de fibras naturais. 

Primeiramente, visitei a empresa Cretes BV, que oferece soluções de engenharia para colheita e processamento de fibras de cânhamo, principalmente para a indústria têxtil. O CEO Stefaan Declerck deixou claro que a demanda por máquinas cresceu, principalmente pedidos vindos dos EUA, pois muitos produtores de lá estão buscando os mercados têxteis de maior valor agregado. A maior dificuldade segue sendo produzir fibra de alta qualidade, que é exigida pela indústria têxtil, pois isso requer alguns anos de prática e variedades que sejam bastante produtivas em fibras longas, coisa que ainda falta para a agricultura norte-americana. 

Após isso, visitei a empresa Groenoord, no norte da Holanda, que é vinculada ao grupo John Deere de máquinas agrícolas, principalmente colhedeiras. Eles desenvolveram uma adaptação que permite colher grãos ou flores e ao mesmo tempo cortar as fibras para processamento. Isso permite o uso completo da planta e traz muita rentabilidade ao produtor rural. Quem já colheu cânhamo em larga escala sabe bem como é difícil fazer um aproveitamento de 100% da lavoura. E sabe também que qualquer valor a mais ajuda a fechar as contas depois, principalmente na agricultura, em que as margens são pequenas.

A última visita foi ao grupo HempFlax, grandes processadores de fibra natural, também localizados no norte da Holanda. Hoje, o grupo tem uma atuação forte no mercado de isolamento acústico e térmico para construção civil e mercado de non-woven (aplicações de fibra natural com um pouco menos de qualidade que o mercado têxtil) e também algumas vendas para produção de papel. Outro setor que segundo eles cresceu muito e hoje tem muita atração é o uso do hurd, a fibra curta do cânhamo, para camas de animais. Na Europa, sempre se utilizou o cânhamo para cobertura de estábulos para cavalos, pois ele absorve água muito melhor que a serragem que normalmente é utilizada no Brasil. Porém, o setor cresceu mesmo quando eles entraram no segmento pet, com produtos especializados para substituir areia para gatos (muito mais sustentável inclusive pois é 100% biodegradável e deixa menos odor) e para coelhos e gaiolas de pássaros.

Com todos, nossa intenção foi criar parcerias para trazer essas tecnologias e conhecimentos para a indústria latino americana e criar uma ponte para acelerar a adoção da produção e processamento de fibra de cânhamo em larga escala na América Latina, tanto para abastecer mercados mundiais, como para criar nosso próprio processamento local. Fiquem atentos aos updates da Associação Latino Americana de Cânhamo Industrial nos próximos meses, vem coisa muito boa por aí!

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Lorenzo Rolim da Silva é Engenheiro Agrônomo e presidente da LAIHA (Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial).