Para advogado, caso da Abrace impactará na legislação brasileira favorecendo o cultivo associativo e o autocultivo de cannabis para fins medicinais

Em entrevista exclusiva concedida ao Sechat, o advogado Yvson Vasconcelos analisa o processo, aponta os próximos passos que a Abrace adotará e os desdobramentos que essa decisão pode ter em nível nacional

Publicada em 05/03/2021

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Charles Vilela

O advogado Yvson de Vasconcelos viveu momentos profissionais tensos a partir do último final de semana, quando soube que o desembargador Cid Marconi, do TRF5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região) havia decidido acolher a solicitação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que pedia a suspensão da liminar que, desde o final de 2017, garantia à Abrace (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança) o cultivo de cannabis para fins medicinais e a produção de óleos que são usados por seus associados no tratamento de doenças, a maioria delas graves. 

A medida, se fosse concretizada, prejudicaria mais de 14 mil famílias que fazem uso dos óleos medicinais produzidos pela Abrace. A possibilidade da interrupção do trabalho da maior ONG canábica do Brasil, que sozinha atende a mais de 50% do público associativo acolhido no país, levou uma forte mobilização social, que ocorreu principalmente por meio da internet. 

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Na quarta-feira (3), Marconi foi recebido na sede da entidade, em João Pessoa (PB) pelo presidente da Abrace, Cassiano Teixeira, além de pacientes e familiares de usuários do extrato medicinal de Cannabis, que apresentaram o estabelecimento. Segundo o TRF5, acompanharam a visita representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), autora do recurso; da Procuradoria Federal na Paraíba; da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraíba; da Justiça Federal na Paraíba (JFPB); da Polícia Federal; do Ministério Público Federal; e da Defensoria Pública da União. Em paralelo, o TRF5 também promoveu uma videoconferência, da qual participaram senadores da República e deputados federais.

Depois de uma semana tensa e com muitas incertezas, hoje (5) pela manhã veio a notícia que Vasconcelos aguardara nos últimos dias. Logo cedo, o desembargador Marconi, que é relator na ação da Abrace, resolveu suspender temporariamente os efeitos da decisão que ele mesmo tomara na semana passada e que poderia interromper o trabalho da entidade. “Impressiona a relevância e eficácia dos extratos no tratamento de sintomas e das próprias doenças que afligem severamente os associados da autora (Abrace), ainda que esse dado tenha sido colhido de forma empírica, sem a cientificidade que é desejável num caso como o presente”, disse o magistrado no despacho desta sexta-feira (5). “Também se verifica um razoável tempo de funcionamento da Associação (pelo menos desde 2015) sem que se tenha notícia de acidentes ou de efeitos colaterais relevantes, sendo certo que os depoimentos aos quais nos deparamos caminham no sentido inverso, ou seja, de mitigação de efeitos graves, como convulsões sistêmicas e recorrentes.”

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Nessa entrevista exclusiva concedida ao Sechat, o advogado Yvson Vasconcelos analisa o processo, aponta os próximos passos que a Abrace adotará e os desdobramentos que a decisão de hoje pode ter em nível nacional, beneficiando toda a rede de associações de pacientes canábicos do Brasil. 

Sechat - Como vocês receberam a notícia?

Yvson de Vasconcelos - Com bastante alegria. Era o que nós esperávamos da Justiça: que fosse restabelecido o direito da Abrace fornecer aos seus associados o medicamento que é essencial, fundamental para a qualidade de vida deles, até para a própria vida de alguns. É um alívio muito grande saber que a justiça está sendo feita.

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Sechat - Que caminho vocês tomariam, considerando que não houvesse essa visita do desembargador Cid Marconi à sede da Abrace e a revisão seu posicionamento anterior?

Já estávamos com a petição pronta, um pedido de reconsideração solicitação de tutela de urgência, para que fosse restabelecido o direito (da Abrace cultivar cannabis para produzir óleos medicinais). Íamos demonstrar a necessidade da continuidade da produção dos óleos, por se tratar de saúde, de tratamentos continuados que não poderiam sofrer essa interrupção, sob pena de que os pacientes tivessem agravos nos seus quadros clínicos, que houvesse uma piora, e isso, com certeza, não é o que a Anvisa quer, não é o que a Abrace quer, nem o que os poderes judiciários almejavam. Então, acredito que essa decisão, essa situação (a visita do desembargador para conhecer o trabalho da Abrace) foi a melhor forma de acordo devido à sensibilidade do desembargador Cid Marconi em entender a situação para que pudéssemos chegar a um denominador comum. A partir de agora é o momento da gente construir e melhorar as questões da Abrace.

Temos dois caminhos (a percorrer): um para o futuro, que é o laboratório que será construído; e um para o presente, que é o laboratório que atualmente utilizamos, e vamos adequá-lo às boas práticas necessárias, de acordo com a Anvisa.

Sechat - Quais são os próximos passos?

Yvson de Vasconcelos - Temos o prazo de 30 dias. Na verdade são dois caminhos: temos 15 dias para apresentar à Anvisa um projeto de ampliação do nosso laboratório e as adequações que são necessárias e, paralelamente, 30 dias para apresentar um projeto, um cronograma de atividades para melhoria do nosso atual laboratório. Temos dois caminhos (a percorrer): um para o futuro, que é o laboratório que será construído; e um para o presente, que é o laboratório que atualmente utilizamos, e vamos adequá-lo às boas práticas necessárias, de acordo com a Anvisa. 

A Abrace, por ser uma associação - e é isso que sempre tentamos colocar, que a Abrace não é uma empresa - não tem dinheiro suficiente para construir um prédio na hora que quiser ou se adequar (facilmente a uma exigência). Somos uma associação de pacientes, e por ser uma associação de pacientes, passamos por todas essas dificuldades; financeiras, inclusive.

Sechat - A Anvisa, em uma nota divulgada no início da semana, disse que a Abrace já tinha conhecimento sobre os requisitos que não estariam sendo cumpridos pela entidade em relação à liminar de operação concedida em 2017. Essa informação procede? 

Yvson de Vasconcelos - Não, não procede. Creio que ficou um ruído na comunicação (da Abrace) com a Anvisa nesse sentido. A própria decisão judicial explicitava, desde 2017, que era preciso que a Anvisa fiscalizasse a situação (a operação) da Abrace, e isso não foi feito até agora. Houve das duas partes um pouco de demora. A Abrace, por ser uma associação - e é isso que sempre tentamos colocar, que a Abrace não é uma empresa - não tem dinheiro suficiente para construir um prédio na hora que quiser ou se adequar (facilmente a uma exigência). Somos uma associação de pacientes, e por ser uma associação de pacientes, passamos por todas essas dificuldades; financeiras, inclusive.

Eu não tenho dúvida que a Abrace é um case paradigmático. A Abrace, com certeza vai servir como precursora, e isso é um dos efeitos que a Abrace espera (com a decisão de hoje).

Sechat - O senhor acredita que esta decisão, de certo modo, também cria uma certa jurisprudência ou caminho que pode facilitar o trabalho de demais entidades canábicas de pacientes pelo país?

Yvson de Vasconcelos - Eu não tenho dúvida que a Abrace é um case paradigmático. A Abrace, com certeza vai servir como precursora, e isso é um dos efeitos que a Abrace espera (com a decisão de hoje). A Abrace espera que, conjuntamente com a Anvisa, de acordo com o que está acontecendo, as autoridades possam entender, ter sensibilidade e produzir legislações, sejam normativas, sejam leis, que favoreçam o cultivo associativo ou individual, para que as pessoas possam alcançar a saúde através desse vegetal.

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