O que o Brasil pode aprender com o processo de legalização americano

Após o Congresso Americano aprovar o projeto de lei que pode legalizar federalmente o uso da cannabis, surgiram muitos questionamentos sobre o processo de regulamentação do país. Entenda o cenário na coluna de Cintia Vernalha.

Publicada em 14/04/2022

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Por Cintia Vernalha

No final de março, foi aprovado pelo Congresso americano o projeto de lei que pode legalizar o uso da cannabis em todos os estados. O projeto segue agora para o Senado e, se aprovado, vai para sanção do presidente. Seguiu para o Senado também o projeto de lei, conhecido como SAFE Banking Act, que autoriza as instituições financeiras a operarem com empresas de cannabis, e, além dela, um projeto de lei que visa permitir estudos científicos no tema.

A pressão para que os EUA descriminalizem o uso da planta é grande. Apesar de 38 estados (de um total de 50) já terem aprovado o uso da cannabis de alguma forma, e mais de 44% da população acima de 18 anos já ter acesso à cannabis para uso adulto de forma legal, a cannabis continua proibida em nível federal. 

E a pressão não é apenas para que as empresas consigam atuar em todo o território americano. Um dos principais argumentos para o avanço dessa legislação é a busca pela redução do mercado ilegal de cannabis, que ainda é forte em todo o país.

A transição de um mercado ilegal para um mercado legal é um processo longo e complexo. Dez anos se passaram desde que o primeiro estado regulamentou o uso da cannabis e, ainda hoje, estima-se que o mercado ilícito americano represente pelo menos 2,5x mais do que o mercado legal. Em números, as negociações legais de cannabis nos EUA totalizaram US$ 26,5 bilhões em 2021 e, de acordo com a New Frontier Data, estima-se que o mercado ilegal tenha movimentado US$ 70 bilhões no mesmo ano.

Uma das grandes barreiras para a consolidação do mercado de cannabis legal são os altos tributos em toda a cadeia de produção, incidentes desde a colheita até a abertura de lojas. Em toda sua cadeia produtiva, a cannabis costuma pagar impostos acima dos tradicionais. Quem acaba pagando essa conta são os consumidores, que encontram preços mais altos nas prateleiras. Muitas vezes isso faz com que as pessoas ainda prefiram comprar no mercado ilícito, pagando mais barato pelos seus produtos, mesmo sabendo que a qualidade pode ser inferior.

Outra barreira ao crescimento do mercado legal é o custo para obtenção da aprovação para o uso médico e a facilidade para encontrar os produtos, mesmo em estados em que a cannabis não é legalizada. 

A existência de um mercado ilegal ainda tão grande é uma oportunidade e mostra o tamanho que a indústria da cannabis poderá atingir. Alguns estados têm se esforçado para diminuir a tributação e facilitar a regularização das empresas. Pode parecer contraintuitivo, mas a redução da carga tributária fará com que o estado arrecade mais – ou pelo menos o mesmo –, pois mais empresas atuando de forma legal gerará maior volume de negócios e, assim, maior arrecadação de tributos.

Falando do Brasil, de acordo com a New Frontier Data, somos o 13º país com maior consumo de cannabis no mundo. Esse é um dos principais motivos pelos quais o Brasil é visto pela indústria mundial como um grande potencial consumidor. O desafio será criar leis que tratem de todos os players dessa indústria e que realmente possibilitem o estabelecimento de um mercado legal eficiente e lucrativo.

No formato atual, conforme a população tem mais acesso à informação e mais pesquisas internacionais divulguem os benefícios da cannabis, aumenta-se a chance de o mercado ilegal crescer. Infelizmente os altos preços e a pequena variedade de produtos fazem com que apenas uma pequena parcela da população seja contemplada.

Se olharmos outros mercados altamente regulados, como o de bebidas e o de cigarros, veremos que o mercado ilegal sempre existirá. No entanto, esse mercado perde força perante uma política tributária justa, que não desencoraje as empresas a se regularizarem, além de políticas educativas para a população e leis que abrangem a todos os envolvidos no tema.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Cintia Vernalha mora nos EUA, onde conheceu e se apaixonou pelo mercado de cannabis. Com mais de 15 anos trabalhando na área comercial de grandes corporações como Nestlé, Reckitt Benckiser e EMS, hoje une a sua paixão pela planta, a sua experiência executiva e a sua vivência em um dos maiores mercados de cannabis para assessorar empresas que desejam atuar ou melhorar seu posicionamento no Brasil.