O cânhamo já foi produzido no Brasil com apoio até do próprio governo

Além do cultivo, a fibra de cânhamo era usada em fábricas de fios e tecidos e tinha grande aplicação na indústria têxtil brasleira. Uma história não contada nas escolas, mas abordada por Marcelo De Vita Grecco em coluna.

Publicada em 01/07/2022

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Por Marcelo De Vita Grecco

Pouca gente sabe, mas o Brasil já teve plantio de cânhamo e produção de itens feitos a partir da planta. Houve até empresas com cânhamo no nome (o que é proibido hoje), como a Companhia Fábrica de Tecidos Cânhamo Juta, fundada em 1903, em Recife (PE), que funcionou até 1931, com 40 teares. Ou a Fiação de Cânhamo, Linho e Aramina, de São Paulo.

O país abrigou até mesmo empresas de porte grande para a época, que tinham como matéria prima fibras de cânhamo. É o caso, por exemplo, da também pernambucana Companhia Fábrica Yolanda, fundada em 1925, que operava com 100 teares e empregava 350 pessoas na sua produção.

Outra realidade completamente diferente do que temos hoje é que as iniciativas para o desenvolvimento da cultura do cânhamo no Brasil partiam do próprio governo. Há registros históricos que mostram que sementes de cânhamo chegaram a terras brasileiras por meio da coroa portuguesa.

A estratégia governamental era disseminar a produção de cânhamo para garantir a manutenção do poder geopolítico e econômico da colônia, no período em que a exploração de ouro começava a definhar por aqui. Houve incentivo ao plantio de cânhamo para fabricação de cordas, velas e tecidos a partir da fibra da planta, insumo essencial e valioso para a indústria naval daquela época.

Grandes navegações

Vale lembrar que o uso das fibras dessa planta como matéria-prima para fabricação de cordas e velas, por exemplo, ganhou relevância no período das grandes navegações e durante a revolução industrial, devido à tamanha resistência, elasticidade e durabilidade do material. Portanto, estamos tratando de uma planta que foi relevante para chegarmos ao mapa mundial que conhecemos hoje.

Engraçado é que a gente fica sempre enfatizando os benefícios sociais e econômicos que a cultura do cânhamo poderia garantir para o nosso país, e o destaque que o Brasil já poderia ter nesse mercado. Lembramos, repetidamente, a respeito de toda a versatilidade dessa planta e de suas aplicações em incontáveis segmentos industriais e os esforços para o desenvolvimento de negócios com base nessas peculiaridades.

Também, continuamente, damos exemplos de países em que essa cultura já é amplamente difundida. Trazemos exemplos bem-sucedidos de nossos vizinhos Uruguai e Paraguai, entre outras nações mais adiantadas nesse mercado mundial de cânhamo industrial. 

Detalhe histórico

No entanto, acabamos nos esquecendo de lembrar desse pequeno detalhe que acredito que pouca gente tenha conhecimento. Afinal de contas, é fato histórico que o cânhamo já foi cultivado no Brasil.

Por que digo isso? É que, para os menos avisados, pode parecer até que, com nossa defesa enfática da planta, queremos introduzir em nossa agricultura uma cepa exótica e desconhecida em solo brasileiro.

Por isso, achei importante contar aqui um pouquinho da história do cânhamo em nosso país. Lembrando também que há fragmentos arqueológicos que provam que a presença da cultura do cânhamo e seu emprego no mundo remonta a milênios.  

Quis lembrar um pouco dessa passagem histórica no sentido de chamar a atenção para o desconhecimento de boa parte da sociedade brasileira a respeito do cânhamo. E quanto essa falta de informação contribui para reforçar o preconceito em torno do uso da planta em suas várias vertentes, e acentua a sua demonização, atribuindo-lhe características de variantes da cannabis sativa com propriedades psicoativas, inexistentes no cânhamo.

Apoio da Coroa

Pois bem, historiadores relatam que o cânhamo chegou a ser produzido no Brasil nos idos de 1740 a 1824. A partir de 1783, o governo português chegou a criar a Real Feitoria do Linho Cânhamo, uma espécie de estatal que garantia sementes, ferramentas e mão-de-obra escravizada voltada exclusivamente ao plantio de cânhamo.

Outras iniciativas importantes envolvendo essa matéria-prima foram realizadas entre 1880 e 1940, já também com investimentos privados. Nessa época, o material extraído do cânhamo era destinado à fabricação de papel e de tecidos, sobretudo para a fabricação de sacarias para embalar café, entre outros produtos agrícolas. O Estado, à época, contribuía com a concessão de terras e incentivos fiscais para o plantio.

A planta, segundo historiadores, chegou até a ser cogitada como alternativa econômica para o país, em épocas de queda do preço internacional do café. Há registros de tecelagens montadas no Brasil que utilizavam o cânhamo como matéria-prima, que já citei anteriormente. 

Lacuna

Infelizmente, há uma grande lacuna nos registros acerca da história da produção do cânhamo no Brasil, pois o assunto não é matéria que se aprende na escola. Contudo, do pouco que se consegue extrair do passado, é possível perceber que a cultura teve sua relevância para a economia brasileira. 

Em nenhum dos registros há qualquer relato a respeito de efeitos que não fossem a resistência da fibra, aplicações na indústria e viabilidade econômica. Até, infelizmente, seu banimento que inviabilizou o desenvolvimento da cultura no país.

Esses excertos de história corroboram a nossa tese de que o cânhamo não merece estar no rol de produtos controlados, como remédios, status que lhe vem sendo dado por nossas autoridades sanitárias. Haja vista, no passado, ter sido comprovadamente empregado como matéria prima na indústria têxtil, como mostram os fragmentos da história da fibra no Brasil.

Imaginem se pudéssemos trabalhar hoje livremente a produção de cânhamo no Brasil, tendo à disposição todo o conhecimento acumulado por nossos agricultores, ao longo da história recente, que os coloca no topo do mundo em termos de qualidade e produtividade? Com as tecnologias agrícolas disponíveis atualmente e toda a expertise do nosso agronegócio, já estaríamos hoje extraindo do cânhamo, além de fibras e outros derivados, muitas divisas para o país.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre o autor: Marcelo De Vita Grecco é CMO da The Green Hub, aceleradora de startups com foco exclusivo no mercado legal da cannabis.