Em votação histórica, STF julga Recurso Extraordinário sobre descriminalização do uso e porte de drogas

RE 635.659 que tramita no supremo, trata-se sobre o direito a privacidade e intimidade de cada individuo

Publicada em 06/08/2021

capa
Compartilhe:

Curadoria e edição de Sechat Conteúdo, com informações de eduvaleavare (Artigo produzido por Diego Alves Tavares e Prof. Leandro Gorayb)

O Recurso Extraordinário 635.659, que tramita no Supremo Tribunal Federal, foi interposto decorrente de condenação com amparo no Artigo 28 da Lei 11.343/06, de um sentenciado surpreendido no interior de uma unidade prisional do Estado de São Paulo com três gramas de cannabis.

O Ministro Gilmar Mendes é o relator do Recurso, que juntamente com os Ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso já apresentaram seus votos, sendo estes também favoráveis a inconstitucionalidade do Artigo 28 da Lei de Drogas, porém ainda temos os votos dos ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Nunes Marques, que definirão quais os caminhos o Brasil irá seguir em relação ao tema.

>>> Participe do grupo do Sechat no TELEGRAM e receba primeiro as notícias

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROIBIÇÃO

O Tema referente à descriminalização ou legalização das drogas ainda gera muita polêmica, pois nem sempre ele é aceito pela sociedade, com o RE em analise, houve um grande avanço para que o Brasil começasse a rever a sua política de proibição de Drogas e com isso possa trabalhar alternativas mais eficientes.

Porém, as drogas não foram desde sempre proibidas, a Política de proibição no mundo teve inicio em 1961, com a Convenção Única sobre Drogas e Narcóticos, onde os vários Países se comprometeram a combater as Drogas. Com Convenção Única sobre Drogas da ONU, os Países signatários incluindo o Brasil, começaram uma verdadeira “Guerra” para combater o tráfico e o uso dos entorpecentes.

A LEGALIZAÇÃO PELO MUNDO

Após alguns anos, Países começaram a procurar soluções para legalizar,
descriminalizar e combater os entorpecentes de uma maneira mais hábil, gerando resultados positivos para a sociedade.

  • HOLANDA

A Holanda enfrentou um grande dilema, pois os jovens holandeses por volta da década de setenta, começaram a se envolver com o haxixe e heroína, porém como signatários da Convenção Única de 1961, que proíbe qualquer modo para legalizar as drogas, acabou procurando alternativas.

A solução encontrada foi à criação de um grupo em 1972 para estudar uma política pública para lidar com o problema. A conclusão do grupo foi que dentre as drogas a maconha não trazia tantos riscos como as demais e que regulamentar sua comercialização seria a maneira mais eficaz de afastar os jovens dos entorpecentes mais pesados.

Como havia o impasse referente à Convenção e para não ser necessário a quebra do acordo, firmado em 1976, a cannabis passa a se nem legal, nem ilegal, começaram-na admitir simplesmente em nome de um bem maior.

As estratégias para o combate as drogas na Holanda são elaboradas pelo Ministério da Saúde e não pelo Poder Judiciário, tendo como foco a saúde do usuário. Foi criada uma filosofia de redução de danos, que consiste diminuir o mal que as drogas causam nas pessoas. Por exemplo, para usuários de heroína, foram criadas salas de consumo, onde é fornecido ao usuário a metadona, que é uma droga que sacia o desejo de consumir a heroína, ou até mesmo a própria heroína de graça, com isso evitando o risco de contaminações do vírus da AIDS e Hepatite C, além de evitar que os usuários necessitem roubar para comprar as drogas.

  • ESTADOS UNIDOS

Como visto anteriormente, à proibição das drogas partiu dos Estados Unidos, porém atualmente nos Estados de Washington, Colorado, Alasca e Oregon, a cannabis foi legalizada para o uso medicinal e recreativo, podendo ser consumida, cultivada sem a preocupação de sofrer qualquer tipo de repreensão. Tem-se ainda em dezesseis Estados Norte Americanos a
liberação da planta para fins medicinais.

A liberação nos Estados Unidos teve início no Estado da Califórnia, quando a cidade de São Francisco passou a enfrentar o uma epidemia de AIDS. Naquela cidade, os doentes eram encaminhados ao Hospital Geral de São Francisco onde os jovens eram internados, emagreciam, ficavam em estado terminal e morriam.

Foi quando começaram a tratar os pacientes com os componentes derivados da cannabis, pois tais substâncias auxiliavam para que tivessem mais apetite e também para diminuir as dores. Porém o governo ao ter conhecimento do tratamento realizado naquele hospital, determinou o encerramento do programa.

Ativistas se juntaram e começaram a produzir e distribuir cannabis medicinal para os pacientes em tratamento da AIDS e, em 1996, o uso da erva para fins medicinais foi liberado, dando início a revolução sobre o tema.

  • PORTUGAL

Temos em Portugal um dos melhores sistemas para tratar as Drogas, atualmente sendo visitado por vários países para compreenderem o modelo adotado.

Uma pesquisa australiana ao estudar o modelo português, chegou à conclusão que a combinação entre remover as punições criminais com a utilização de respostas terapêuticas para dependentes de drogas trás várias vantagens.

Nos últimos anos, desde que o novo modelo foi implantado, o consumo de drogas entre menores de idade caiu, o número de contaminações de AIDS e hepatite C despencou, o de usuários de drogas problemáticos diminuiu, o de dependentes de drogas em tratamento cresceu, o índice de sucesso do tratamento aumentou, as cadeias e os tribunais estão mais vazios e conseguindo fazer seu trabalho com mais eficiência, a polícia está tendo mais sucesso no combate ao tráfico internacional, e a sociedade está economizando uma fortuna.

Baseado na filosofia da Redução de Danos, Portugal implantou tratamento de dependentes de heroína com metadona, controle de qualidade de drogas em clubes noturnos, distribuição de seringas, acompanhamento psicológico de dependentes, tudo que já tinha sido testada em algum outro lugar.

O foco na prevenção é algo que todo mundo enfatiza. Por não querer desrespeitar a convenção da ONU de 1961, Portugal não criou nenhum canal legal de distribuição de drogas, nenhuma droga foi legalizada, a polícia continua detendo usuários e os traficantes ainda são duramente reprimidos. A única novidade é que conseguiram implantar um sistema coerente, inteiramente pensado por especialistas, tendo como único critério fazer coisas que funcionem, sob o comando do Ministério da Saúde.

Esse sistema teve inicio em 2001, e contou com muita resistência de alguns políticos, atualmente a maioria dos portugueses é contra as Drogas, porém o assunto está pacificado.

Quando alguém é surpreendido pela polícia com uma quantidade inferior a 25 gramas de maconha, dois gramas de cocaína ou uma grama de heroína ou anfetaminas supõe-se que se trata de um usuário, não de um traficante. A droga é apreendida, a pessoa liberada para ir para casa e recebe uma intimação para comparecer na mesma semana a uma Comissão de Dissuasão da Toxicodependência, em vez de um tribunal de justiça, como acontece no resto do mundo, se a quantidade for maior, supõe-se que seja um traficante, que por sua vez continua sendo enviado a um tribunal.

O usuário chega à CDT é entrevistado por um dos membros da equipe técnica, um terapeuta ou assistente social. A conversa, que dura perto de uma hora, é conduzida com tranquilidade e respeito, para o usuário sentir-se à vontade de abrir seu coração, como faria em uma consulta médica.

O objetivo principal das sanções não é punir, e sim dar incentivos para os usuários de drogas para que eles tomem a decisão certa.

  • URUGUAI

O Uruguai em 2013 foi o primeiro País no mundo a legalizar a produção e o consumo de cannabis por completo. O então Presidente Jose Mujica declarou que tudo que foi realizado em matéria de repreensão as drogas não gerou resultados positivos, assim sendo não se pode tentar mudar fazendo sempre a mesma coisa. O caminho lá ainda está somente no início, porém no último levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Drogas do Uruguai comprovou-se que não houve aumento no consumo de drogas desde a legalização.

Por enquanto somente se pode consumir a cannabis ou ter até seis plantas de forma caseira ou em clubes. A produção em larga escala por indústrias ainda está sendo viabilizada por meio de licitação.

Lá a venda somente é permitida para nacionais, os estrangeiros que visitam o país não podem comprar. O valor também é controlado pela lei, pois a maior intenção é acabar com o narcotráfico, assim a djamba, como era conhecida pelos povos escravizados, tem um valor limite para ser vendida.

>>> Participe do grupo do Sechat no WHATSAPP e receba primeiro as notícias

ANÁLISE DOS VOTOS JÁ PROFERIDOS

Gilmar Mendes:

Foto: Fellipe Sampaio/STF

O Ministro, a luz do princípio da proporcionalidade, mediante o exame de sua adequação e necessidade, fez exposições sobre os crimes de perigo abstrato e as políticas regulatórias no âmbito da Lei de Drogas, no que tange ao usuário.


Trouxe a diferenciação entre:


a) Proibição: que é a política de drogas com essência na estrutura formada por meio de normas penais;


b) Despenalização: na qual não se tem a pena privativa de liberdade, porém
mantém a criminalização para aquele que utiliza. O modelo que é adotado
atualmente em nossa legislação;


c) Descriminalização: nesta modalidade, não há medidas criminais, porém as medidas de cunho administrativo continuam tendo eficácia. Modelo que se pretende adotar.


Declarou que o Artigo 28 da Lei 11.343/06 está inserido no Título III e trata das “Atividades de Prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas”.


Com isso, tem-se que o artigo 28 está inserido no título que versa exclusivamente ao dependente e usuário e não ao criminoso, porém este é equiparado como se criminoso fosse. As condutas previstas no Artigo 28, também estão definidas no Artigo 33 da Lei de Drogas, sendo diferenciadas apenas pela expressão “PARA CONSUMO PESSOAL”.

Luís Roberto Barroso:

Foto: Carlos Moura/Divulgação STF

Acompanhou o voto do Ministro Relator Gilmar Mendes, porém com algumas ponderações.

A divergência de maior importância é no que pulsa sobre a substância entorpecente a ser abrangida pela inconstitucionalidade. Barroso em seu voto somente tratou referente à CANNABIS, não mencionando as
demais substâncias entorpecentes. Além disso, o Ministro ainda estabeleceu em seu voto um critério quantitativo para diferenciar o usuário do traficante, sendo a quantidade de até 25 gramas de maconha ou seis
plantas fêmeas de cannabis sativa.

Outro ponto que diverge de seu voto é em relação à inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que declarou em seu voto ser inconstitucional juntamente com o parágrafo primeiro, sendo que os demais parágrafos continuam tendo o seu poder de criminalizar o usuário.

Em síntese, declarou a inconstitucionalidade do Artigo 28 e parágrafo primeiro, em relação ao usuário da planta sativa, estabelecendo um critério quantitativo.

Luiz Edson Fachin:

Foto: Lula Marques/AGPT/FotosPúblicas

Em seu voto, o Ministro Luiz Edson Fachin, também acompanhou o Ministro Relator Gilmar Mendes, porém, como o Ministro Barroso, fez alguns ajustes.
Para Fachin, o artigo 28 da Lei de Drogas continua tendo eficácia para todas as drogas consideradas ilícitas, somente não terá mais efeito em relação à cannabis.

No seu voto, não entrou no mérito quantitativo para individualizar a conduta do usuário e traficante, decidindo que tal matéria é de competência do Poder Legislativo. Sendo assim, declarando a inconstitucionalidade do Artigo 28 em sua totalidade, somente para o usuário que portar maconha.

>>> Inscreva-se em nossa NEWSLETTER e receba a informação confiável do Sechat sobre Cannabis Medicinal

CONCLUSÃO

O Supremo Tribunal Federal ao analisar a inconstitucionalidade do Artigo 28 da Lei de Drogas, não pode determinar quais serão as substâncias protegidas por essa inconstitucionalidade, uma vez que compete a ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) que através da portaria 344/98 estabelece quais são as substâncias entorpecentes consideradas ilegais.

Havendo a descriminalização somente da cannabis, os usuários e dependentes de crack, cocaína, êxtase e as demais substâncias, continuarão a serem considerados infratores penais. A alternativa achada pelos Ministros Barroso e Fachin só contribui para prolongar o impasse e a continuidade da velha e desacreditada política de guerra contra as drogas.

Assim, extraem-se dos três votos proferidos, fundamentos profundos de reconhecimento do fracasso da guerra contra as drogas. Uma afirmação contundente da impossibilidade de mitigação de princípios fundamentais e uma necessidade de se rever todo o sistema proibicionista atualmente em vigor.

Confira outros conteúdos sobre legislação publicados pelo Sechat:

https://www.sechat.com.br/dep-bacelar-diz-que-canhamo-industrial-pode-alavancar-economia/
https://www.sechat.com.br/ita-desclassifica-candidato-por-uso-legal-de-cannabis-medicinal/
https://www.sechat.com.br/descriminalizacao-dos-psicodelicos-avanca-em-mais-cidades-norte-americanas/