Antes de doar medicamentos, é preciso tornar as famílias visíveis perante o Estado

Em sua coluna deste mês, Patrícia Villela Marino, Presidente do Instituto Humanitas360, retrata a realidade de 3 milhões de brasileiros mostrando como a vida de pacientes de cannabis é afetada por causa da invisibilidade social

Publicada em 07/02/2022

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Por Patrícia Villela Marino

Famílias inteiras não existem no Brasil. Estima o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que 3 milhões de pessoas sequer têm certidão de nascimento no País. Esses invisíveis, inclusive, foram tema do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em novembro do ano passado. Se nem nasceram oficialmente, como podem contar com o mínimo de dignidade que o Estado deveria lhes assegurar?

Imagem: (Freepik/Jannoon028)

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Para os invisíveis não há escola, não há emprego, não há saúde, não há vida. Apenas sobrevivência nas piores condições possíveis e que se perpetuarão pelas próximas gerações.

Infelizmente, num misto de desconhecimento e má-fé de inúmeros políticos, o Brasil se encontra muitos passos atrás de outros países em relação ao acesso do canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) para tratamentos médicos. Avançamos na luta, com certeza, que começou há poucos anos com um grupo de mães aflitas em oferecer melhores condições de vida aos seus filhos doentes. Dali em diante, surgiram entidades, empresas e startups que têm feito muito pelo esclarecimento do tema perante a sociedade brasileira.

Mas, como sempre, são as classes economicamente privilegiadas que conseguem acesso a esses medicamentos com custos ainda tão elevados. Ou então quem trava exaustivas brigas jurídicas. A população de baixa renda sequer tem ideia de seus direitos e, por isso, o suporte a essas famílias precisa ser integral, acompanhado de uma estratégia de acesso às políticas públicas do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e do Sistema Único de Saúde (SUS).

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A doação de medicamentos à base de cannabis para famílias de baixa renda é um passo importante, mas longe de ser suficiente. É preciso ir além e desenvolver atendimento sócio-jurídico àqueles em vulnerabilidade social. Estamos falando de inclusão e cidadania ativa de conhecimento, encaminhamento e restituição de direitos. Esse deve ser o ponto de partida. Depois vem a garantia do direito ao uso de medicamentos feitos à base de CBD e THC. O uso medicinal da cannabis junto a esse público deve transcender os cuidados com a saúde, tocando positivamente vidas por meio da transformação social. Uma iniciativa atrelada a pelo menos três dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas: erradicação da pobreza (objetivo 1), bem-estar e saúde (objetivo 3) e redução das desigualdades sociais (objetivo 10).

Enxergamos, dessa forma, a cobertura completa de um ciclo que, na ponta final, resultará no engajamento dos cidadãos, na melhoria da qualidade de vida e na adoção de políticas públicas mais justas e abrangentes. A realização de um mapeamento abrangente junto ao SUAS e SUS é o caminho para que essas pessoas passem a fazer parte das estatísticas. Não nas estatísticas de invisíveis, onde se encontram atualmente, mas dos cidadãos que recebem apoio do Estado para alcançar uma vida mais digna neste País tão desigual de oportunidades. Alguém ainda tem dúvidas de que democratizar o uso medicinal da cannabis pode promover benefícios que extrapolam e muito a questão da saúde?

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As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre a autora:

Patrícia Villela é advogada, empresária, ativista, colunista Sechat e presidente do Instituto Humanitas360, organização não governamental que visa reabilitar pessoas que estão, ou foram presas.