A legalização é flex

Cada país avança - ou não - de forma diferente no processo de legalização da cannabis. Nesta coluna, Maria Ribeiro da Luz comenta sobre os últimos avanços na América Latina e uma possível flexibilização que deve acontecer no Canadá.

Publicada em 13/04/2022

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Por Maria Ribeiro da Luz

Com a disseminação da legalização da cannabis pelo mundo, o proibicionismo vem gradativamente perdendo força e dando lugar para financiamentos governamentais e investimentos privados. Enquanto o Canadá está prestes a reavaliar as regulamentações estipuladas na legalização de 2018, vários países da América Latina vêm flexibilizando e adaptando suas respectivas regulamentações, abrindo cada vez mais espaço para a cannabis e para esse mercado gigante que vem junto com a planta. 

Essa coluna propõe um breve panorama das flexibilizações importantes do último mês na América latina; e, em paralelo, a expectativa  da indústria canadense em relação à revisão da regulamentação vigente. Cada país segue no seu compasso, mas um fato comum, e muito importante, é que todos eles seguem em movimento, rumo a um futuro mais verde. 

NOVO MÉXICO

Três dias e milhões de dólares depois, a indústria da maconha para uso adulto do Novo México começou a todo vapor.

As vendas começaram oficialmente após a meia-noite de sexta-feira, do dia primeiro de abril de 2022, quando centenas de clientes ansiosos fizeram fila fora dos dispensários, em antecipação à abertura histórica. O canal de televisão local KOAT relatou que, a partir do meio-dia de domingo, as 50 mil transações de cannabis para uso adulto ultrapassaram US$4,5 milhões.

COLÔMBIA

O histórico do país com as drogas é conhecido internacionalmente, sendo que ele foi o mais afetado pelo narcotráfico. Até o começo deste mês, as empresas registradas e licenciadas pelo governo federal eram autorizadas a cultivar, fabricar, importar e exportar produtos de cannabis para fins medicinais.

Em 1º de abril de 2022, os Ministérios da Justiça, Agricultura e Comércio emitiram a Resolução Conjunta 539 de 2022, que regulamenta o Decreto 811 de 2021, em relação às operações de comércio exterior de sementes, componentes vegetais, plantas e derivados de cannabis. As empresas que operam na Colômbia podem finalmente solicitar uma licença para enviar as flores secas e extrair produtos no exterior. Apesar de muitas empresas poderem exportar destilados de CDB e isolados, a exportação de flor seca era proibida até agora. Essa resolução aumenta a competitividade da Colômbia na indústria da cannabis e permite a comercialização de derivados psicoativos e flores secas, da semente à exportação.

ARGENTINA

A cannabis foi descriminalizada na Argentina para uso pessoal em 2009, desde que a Suprema Corte decidiu que o uso pessoal era um direito constitucional. O cultivo, venda e transporte de cannabis, entretanto, continuava ilegal. O consumo para fins médicos não havia sido regulamentado até recentemente. 

No fim de março deste ano, o cultivo de Cannabis por intermédio de ONG’s, foi autorizado para fins medicinais. O programa atual foi criado para simplificar o acesso à tratamentos para usuários de cannabis “medicinal” e permitir que terceiros - organizados em ONG’s - forneçam o medicamento para pacientes registrados.

Cada ONG - organização sem fins lucrativos - pode cultivar até nove plantas por paciente, e será permitido até 6m² para cultivo interno e até 15m² para cultivo externo, sempre para fins medicinais. Quanto ao transporte, permitido somente para pessoas autorizadas, garante até seis garrafas de 30ml de extrato de cannabis ou até 40 gramas de flores secas.

CANADÁ

A legalização da cannabis no Canadá aconteceu em outubro de 2018. Três anos depois disso, estava prevista uma revisão da “Cannabis Act”- Lei da Cannabis. Com quase 6 meses de atraso, o Ministério da Saúde do Canadá - o regulador federal da cannabis do país - se recusou a fornecer um cronograma indicando quando a revisão poderia começar.

Enquanto isso, a indústria de cannabis legal do Canadá está ansiosa para que o governo reavalie diversas questões, incluindo algumas que não são diretamente regidas pela Lei da Cannabis, afinal o Parlamento tem uma amplitude de autoridade que vai além do Ministério da Saúde do Canadá.

A revisão em questão não contempla apenas a redução dos níveis de regulamentação, que poderiam ser simplificados, com o intuito de facilitar um pouco para a indústria. A revisão deve cobrir amplamente a administração e operação da lei de legalização do uso adulto, incluindo especificamente alguns tópicos que foram polêmicos quando o projeto de lei estava sendo debatido no Parlamento:

- Saúde pública;

- Saúde dos jovens e uso da maconha;

- Povos e comunidades indígenas;

- Cultivo doméstico.

O foco na saúde pública cria espaço para abordar uma preocupação global da indústria canadense: o persistente mercado ilícito de maconha. Existem, entretanto, outras questões relevantes que são levantadas pelos produtores canadenses em prol de uma indústria mais justa, sustentável e funcional.

O que a indústria canadense quer:

- Taxas regulatórias e Taxas de impostos sobre a maconha: a taxa de recuperação de custos regulatórios da Health Canada é cobrada sobre a receita obtida pelos cultivadores e processadores de cannabis, enquanto poderia ser cobrada sobre o lucro. Os impostos sobre a maconha, outra preocupação permanente dos produtores canadenses, são definidos pela Lei de Impostos Especiais de Consumo, não pela “Cannabis Act”, e aumenta muito o preço do produto final, levando muita gente a optar pelo mercado ilícito, mais barato, mas sem controle sanitário, o que influencia na questão da saúde pública;

- Limites de potência em produtos comestíveis de cannabis: A legalização de 2018 impôs o limite de 10 miligramas de THC para produtos - unidades e embalagens - de comestíveis de cannabis. Aumentar esse limite permitiria a venda de comestíveis de maior potência, evitando que os consumidores recorram ao mercado ilícito, na busca desses produtos, o que ocorre desde a legalização;

- Questões acerca do marketing, publicidade e embalagem: Os regulamentos atuais são extremamente rígidos em termos de quantas cores você pode usar na embalagem ou em restrições promocionais.

É importante percebermos como o processo de legalização é lento, gradativo e acontece de maneira diferente em cada país. Quanto a nós, brasileiros, só nos resta esperar - impacientemente -  o fim desse desgoverno, para que possamos também andar a passos largos e tirar o atraso nesse longo processo que é a legalização.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre a autora:

Maria Ribeiro da Luz é fundadora da Anandamidia, uma empresa especializada em mídias diversas para cannabis, que opera entre Brasil e Canadá. Maria está imersa no universo da cannabis no Canadá, e em suas colunas, aborda ciência, história e inovações do mercado norte americano, com o intuito de fortalecer a causa no Brasil.